Ídolo histórico, catarinense de 38 anos afirma que adotará o "estilo Flamengo" quando se tornar treinador - Aqui é onde o treinador dá coletiva?
Com sorriso no rosto, Filipe Luís fez a pergunta ao entrar no auditório do Maracanã, poucos minutos antes de o relógio marcar 19h de domingo. Ali começava a transição do jogador para o treinador. Mas dediquemos os primeiros parágrafos para falar da despedida do atleta diante da torcida do Flamengo.
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Bandeira, mosaico e choro do "querido" em campo
O 3 de dezembro de 2023 serviu para ratificar o quanto Filipe é um "querido", tratamento tipicamente catarinense e que virou sinônimo do camisa 16 dentro do elenco e nas redes sociais. O jogador de 38 anos foi festejado no aquecimento com taças expostas no campo e uma placa comemorativa. O momento de maior emoção aconteceria na entrada do time em campo.
Filipe Luís muito emocionado ao lado dos filhos Tiago, Sara e Lucas.
Fred Gomes
O avô Ivo Stinghen estava lá com Filipe Luís. Ao lado do menino, em mosaico preparado pela torcida, e na memória do adulto, que chorava na companhia filhos Tiago, Sara e Lucas, também muito emocionados. Ivo e o tio Pedro foram os responsáveis por Filipe ser Flamengo desde pequenininho. Foi deixar o túnel que liga os vestiários ao campo, olhar para o setor norte e desabar.
- Eu sonhei muito com esse dia de hoje. Chorei muito nesses últimos dias, recebi mensagens de pessoas que eu nem esperava. De praticamente todos os treinadores que tive, de muitos ex-companheiros, me emocionei demais, mas eu não sabia o que esperar do Maracanã. Já estava com dor de cabeça e de garganta de chorar. Isso abala, né? Junto a isso há um jogo importante para jogar. Queria fazer um bom jogo e sair com uma vitória, que era a coisa mais importante de tudo.
Filipe Luís, ainda criança, é retratado ao lado do avô Ivo com a camisa do Flamengo
Fred Gomes
- Quando entro em campo e vejo a foto do meu avô, eu desabo. Não tem como porque eu já estava muito emocionado e sensível. Depois vi alguns companheiros chorando e foquei no jogo. Estou muito emocionado, mas estou em paz. Sei que estou parando na hora certa. Sei o que senti esse ano e sei que não quero mais jogar futebol - afirmou.
Nada de jogo festivo durante os 83 minutos em campo
Filipe Luís em ação contra o Cuiabá, no Maracanã
Marcelo Cortes/CRF
Titular não por caridade, mas sim por opção técnica, Filipe Luís fez jus à escolha de Tite. Apresentou-se para o jogo e, segundo o "Sofascore", foi o jogador que mais deu passes (84, com 80 certos - 95%) e também o líder de ações com a bola (92), além de conseguir seis recuperações e realizar duas interceptações.
Atravessou bola perigosamente em lance que redundou no duvidoso pênalti de Varela em Clayson, sim, mas o saldo foi muito positivo. Foi o lateral-construtor que Tite gosta. O mapa de calor mostra o quanto participou do jogo pelo lado esquerdo (veja abaixo).
No lance do gol do Flamengo, após Gerson roubar bola, é Filipe quem leva o Flamengo para frente e, após perda parcial de Cebolinha, ele recomeça a troca de passes até Luiz Araújo marcar. Voltaria a aparecer em jogada que quase terminou de Pedro e também numa linda matada de peito com domínio orientado em direção ao gol.
"Querido, a parte II"
Filipe Luís é ovacionado em saída e beija o gramado no último jogo pelo Flamengo
Se Filipe fora celebrado pela torcida antes do apito inicial, inclusive com a presença da família em campo, o momento da substituição, aos 35 minutos do segundo tempo, foi muito especial. Gastou uns cinco minutos para se despedir de todo mundo (veja no vídeo acima).
Assim que a plaquinha subiu informando a troca do 16 (Filipe Luís) pelo 6 (Ayrton Lucas) todos os jogadores em campo passaram a aplaudi-lo, incluindo António Oliveira, treinador do Cuiabá. O craque foi para o círculo central e recebeu inúmeros abraços.
Correu para a linha lateral, beijou o gramado, abraçou forte Bruno Henrique e deu um beijo em Ayrton Lucas. Já na área técnica foi recebido por Rodrigo Caio e Gabigol. De repente todos os reservas o circundaram e o encheram de carinho. Para completar, ainda foi ao banco do Cuiabá e cumprimentou um por um.
Após o apito final, foi jogado para o alto pelos companheiros e se aproximou da arquibancada para o adeus no último jogo como atleta profissional no Maracanã.
Filipe Luis se despede do Flamengo em jogo contra o Cuiabá
GILVAN DE SOUZA/FLAMENGO
O treinador do Flamengo: "Eu vou realizar"
Depois de revelar à TV Globo ainda no campo que sonha ser treinador, Filipe foi além em entrevista coletiva que teve duração de 59 minutos. Garantiu que irá treinar o time do coração e voltar a ser campeão de vermelho e preto.
- Meu sonho é treinar o Flamengo e conquistar títulos com o Flamengo. Eu vou fazer, eu vou realizar
E como será o estilo de jogo de Filipe quando começar a carreira de técnico?
- Como diria Jorge Jesus, não dou pistas (risos). Meu estilo é Flamengo. É só você ver como a torcida quer que jogue o Flamengo. É como eu quero que o meu time jogue. Tenho tudo preparado e desenhado, agora é botar em prática.
"Não aguento mais chorar", diz Filipe Luís
- Uma coisa é eu pensar como jogador. Consigo influenciar meus alguns companheiros para fazer isso em campo, mas como treinador não vou estar dentro de campo. Não sei se vou conseguir convencer, não sei como é no começo. Podem ter certeza que o meu pensamento é esse. Você sabe como o Flamengo quer jogar, não é? Então beleza.
Simeone como espelho maior e referências a JJ, Tite e Dorival
O desejo de virar treinador nasceu no coração de Filipe a partir de uma revolução promovida pelo argentino Diego Simeone, ex-volante que o comandou por oito anos no Atlético de Madrid. É isso que o atleta espera de si na próxima etapa da carreira: ser transformador.
- O Simeone, e isso é muito legal, foi a principal pessoa que me fez ter vontade de ser treinador. Ele transformou a minha vida, esse cara mudou pensamento e minha mentalidade. Ele me transformou em campeão. Se ele foi capaz de fazer isso comigo, pensei assim: "Preciso passar isso para frente, preciso fazer isso com alguém". Ele foi o principal.
Filipe Luis Diego Simeone Atlético de Madrid
Getty Images
- Tive muitos treinadores que me ajudaram. O cara que mais me marcou depois (do Simeone) foi o Jorge Jesus. Cada um tem coisas boas, Jorge Jesus tinha coisas ruins também. Tite me marcou também, reinventou no futebol, me colocou para jogar por dentro e me deu mais oito anos de carreira. Dorival também me deu um ano maravilhoso e também muitas coisas boas. Tenho um pouco de cada um. E também o que não fazer.
Treinador em campo
A preocupação com o lado humano, algo que faltou ao Flamengo durante a gestão de Sampaoli, será um dos pilares do técnico Filipe Luís nos próximos anos. Ao ser perguntado como desenvolveu a tão elogiada leitura de jogo, que o fez ser visto como um "treinador dentro de campo", o ídolo narrou uma história vivida com o turco Arda Turan, seu companheiro no Atlético de Madrid.
- Agora vou deixar o chapeuzinho da humildade de lado e vou falar de mim. A minha maior virtude como jogador de futebol é potencializar os jogadores que estão do meu lado. Não é o passe, não é o domínio. Eu melhoro os jogadores que estão do meu lado. Se eu tivesse que fazer o que fiz no Atlético de Madrid, eu vou fazer. Eu jogava com o Arda Turan. Ele de ponta-esquerda e eu de lateral.
- Falei: "preciso conectar com esse cara". Pensei: o que vou fazer? Ele gostava muito de religião, era mulçumano. Eu fui para a mesquita com ele: "Me fala como essa é religião, me dá o Alcorão". Fui para a Turquia e fiz uma amizade linda com ele. Se eu não me dou bem com o cara que está do meu lado, eu nunca vou jogar bem com ele. Eu me preocupo com ele, tento saber da vida dele e tento entender o que ele pensa dentro de campo.
Mais uma vez sem as sandálias da humildade, Filipe, quando negociava com o Flamengo, valorizou-se diante de Bruno Spindel, mas garantiu retorno. Condicionou, porém, o rendimento a jogadores com quem pudesse dialogar. Deu-se bem até com Pablo Marí, de quem esperava pouco.
- "Bruno, eu sou caro, mas eu sou bom, eu sei o que estou fazendo e vou render". Eu preciso de gente do meu lado para me potencializar. Ele falou que ia trazer esse, esse e esse. Do meu lado quando cheguei aqui eu tinha Arrascaeta. Uma viagem de avião para a Bahia, jogo emblemático (risos). Fui na ida e na volta do lado dele, conversei com ele, tomei chimarrão com ele.
- Outro do meu lado tinha Cuéllar e falei: "não vou ter dificuldade". Pablo Marí? Vou ter dificuldade. E não tive. Ele queria aprender o tempo todo. Estudo o jogador que vou jogar contra, estudo quem está do meu lado, eu estudo meus adversários, eu vejo meus erros e me vejo jogando. Futebol é prioridade.
O sucessor
Com planos concretos para se tornar treinador e a possibilidade real de seguir no Flamengo em 2024, Filipe enche-se de esperança ao falar de Ayrton Lucas. Trata-se de um jogador que gostaria de influenciar em campo e no qual coloca expectativa de se tornar um ídolo tão grande quanto ele é.
- Vejo o Ayrton jogar hoje e peguei um vídeo meu dos 27 e 28 anos. Eu cometi os mesmos erros. Não tem como você comparar a inteligência de um jogador de 38 anos para um de 25 ou 24. É como eu falar de matemática com o meu filho de 10 anos. São 13 anos a mais de profissional do que o Ayrton, e ele vai se desenvolver. Eu sempre gostaria de contratá-lo aonde eu estivesse. Para desenvolvê-lo, trabalhar o mental dele e a parte de tomada de decisão. Eu dedico muitas horas ao que eu faço.
"Querido, parte final"
Filipe Luís deu entrevista onde os treinadores costumam conceder coletivas, É um caminho inevitável.
Fred Gomes
Encerrada a longa coletiva, Filipe foi aplaudido pelos jornalistas presentes ao auditório do Maracanã. Fez uma foto com praticamente todos os presentes na sala e teve paciência para gravar inúmeros vídeos para amigos, esposa, papagaio e afins.
De futebol rebuscado e inteligência rara, mas de uma simplicidade que faz ser compreendida por todos, Filipe Luís viveu e ofereceu uma tarde/noite inesquecível para os amantes do futebol. Sejam eles rubro-negros ou não.
Um adeus de campeão de um craque gentil. E querido. Muito querido. O mais querido do dia 3 de dezembro de 2023.
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