Primeiro Mundial em país árabe carrega história e contextos geopolíticos inéditos em Copa do Mundo e traz reflexões para além do esporte A Europa concentra os principais investimentos, craques e holofotes do futebol mundial. Em Copas do Mundo, tem protagonistas em todas as edições. Neste ano, pela primeira vez em um país árabe, a competição tem um cenário diferente. Marrocos é a primeira seleção árabe a chegar a alcançar uma quartas de final, para marcar a história e explicar a maior participação do Oriente no esporte.
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Desde 1930, quando começou, a Copa do Mundo nunca pisou no mundo árabe. Na região compreendida entre Norte da África e Ásia Ocidental, os mais de 300 milhões de árabes estimados no mundo nunca tiveram um contato com o torneio, em casa. Agora, Marrocos é a primeira seleção da região a passar das oitavas de final.
A primeira Copa do Mundo em país árabe leva o esporte a um novo local onde ele é amado, mas não é visto pelo mundo. Catar fez de tudo para sediar o evento. Mesmo assim, os esforços financeiros parecem pouco frente ao que ainda podem fazer.
Jogadores de Marrocos com bandeira da Palestina após classificação na Copa
Glyn KIRK / AFP
O futebol também é árabe
Riyad Mahrez, argelino, Mohamed Salah, egípcio, Haikimi e Ziyech, marroquinos. São exemplos de jogadores do mundo árabe badalados na Europa. Assim como os brasileiros que brilham e são protagonistas no continente, árabes também estão na prateleira alta do futebol.
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Isso fica evidente na Copa do Mundo. Marrocos, apesar de não ter história de conquistas no esporte, tem a principal geração da história, se classificou em primeiro da fase de grupos e eliminou a Bélgica. Nas oitavas, passou pela poderosa Espanha, campeã mundial.
É a prova que o futebol não é dominado sempre pela Europa. E nem fora de campo. Manchester City, Newcastle, PSG, Aston Villa... são clubes que fazem parte da carteira de investimento de figurões do mundo árabe. Os famosos "sheiks" compram times e jogadores conhecidos e idolatrados na Europa e se inserem neste universo cada vez mais.
É mais uma prova da presença cada vez mais forte do Oriente no esporte. Infelizmente, alguns motivos para isso são obscuros.
Presidente da Fifa, Gianni Infantino, ao lado do Emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani, durante cerimônia de premiação da Copa Árabe, encerrada no domingo em Doha
Reuters
A Copa no Catar
Quando, em 2010, foi anunciado o Catar como sede da Copa, muitas dúvidas sobre como isso iria ser feito surgiram. Como se o mundo árabe nunca tivesse tido contato com o esporte.
Historicamente, sabe-se que na época das colonizações, as nações europeias introduziram o futebol como estratégia para cultivar a obediência e a disciplina entre os povos colonizados, tanto na África, quanto na Ásia. A paixão pelo futebol se desenvolveu nestes países como foi em outras colônias, como o Brasil.
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A Copa no Catar deu a oportunidade ao mundo árabe de fazer parte do universo do futebol, majoritariamente Ocidental. Com dinheiro de sobra e recursos quase ilimitados, países do Oriente Médio viram neste esporte uma forma de justificar riquezas e visões conservadoras, criar boas imagens e mostrar poder.
Governos que vivem modelos mais parecidos com monarquias do que com repúblicas, como o Catar, vendem um espetáculo de competição, ao mesmo tempo que justificam e mostram para o mundo suas leis controversas e mostram todo o poder financeiro sobre os outros países.
É aí que a importância da inclusão árabe no esporte esbarra em polêmicas e retrocessos.
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Extracampo
No extracampo, o mundo árabe se rende cada vez mais ao futebol e comemora a maior participação dele no esporte. Após se classificar, a imprensa marroquina mostrou orgulho pelo país na Copa.
Torcedores e jogadores dos times que fazem parte do mundo árabe abraçam a causa da Palestina e protestam a favor do país que luta pela independência. Um bandeirão com a mensagem "Liberte a Palestina" chegou a ser exibida em Tunísia x Austrália.
"Palestina Livre": Torcedores da Tunísia mostram bandeira da Palestina durante jogo com a Austrália na Copa
reuters
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Choque do Ocidente
Apesar de toda a geopolítica e interesses, o futebol segue dando provas da sua multiplicidade. Se a Europa é a dona do esporte, na Copa do Mundo, ela não se sustentou por completo. Chamam derrotas das poderosas de grandes zebras.
Marrocos, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Senegal e Japão foram considerados como os fracos que deram sorte contra os grandes do Ocidente. Mas, a verdade é que estas seleções nunca estiveram tão fortes. Jogadores de elite na Europa, ligas com mais investimentos, torcedores que acompanham uma Copa do Mundo de casa.
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O Marrocos também tenta sediar uma Copa do Mundo da Fifa. Sabe-se que o país é um dos mais apaixonados pelo esporte no mundo, famoso pelas torcidas que entoam cantos e músicas com grandes letras e belas melodias, geralmente carregando mensagens fortes de história e protesto.
É claro que o país também possui inúmeras polêmicas, como a criminalização da homossexualidade, a colonização do Saara Ocidental e a opressão dos saarauís. Mas um torneio globalizado pode ajudar a jogar luz nas mazelas e provocar mudanças, de alguma forma, nas práticas conservadoras e ultrapassadas, como acontece no Catar.
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Tudo isso marca a história do Oriente no futebol. Se a Copa é do Mundo, que o mundo possa fazer parte dela. E que o motivo para isso seja simplesmente a inclusão e aceitação de todos no esporte.