Revelado em torneio indígena em 2015, atacante colombiano vira sensação em seu país, impressiona pela adaptação à Inglaterra e é peça-chave para a decisão contra o Real Madrid No início, os sonhos de Luis Díaz no futebol eram simples. Bastava a ele fazer um gol sobre a Argentina. Em 2015, o garoto de 18 anos era o craque da seleção da Colômbia que disputava a Copa América indígena, um torneio apenas com representantes de origens em povos nativos do continente.
Díaz, um menino descendente do povo wayuu, no norte da Colômbia, era de poucas palavras e ainda não tinha se entrosado completamente com seus companheiros. Mas a personalidade podia ser vista em lampejos. Na partida de estreia do torneio, falou para Jhon Jairo Díaz, o auxiliar técnico da seleção: seu sonho era fazer um gol sobre a Argentina.
E cumpriu em grande estilo: uma cobrança de falta de mais de 40 metros.
- Ganhamos de 2 a 1, e assim ele começou a carreira. Era um menino muito introvertido, praticamente não ficava com os colegas. Até o fim do torneio, ganhou confiança e ficou muito amigo de todos. Foi um dos jogadores a fazer a diferença - contou Jhon Jairo, em entrevista ao ge.
Luis Díaz, do Liverpool, comemora a conquista da Copa da Inglaterra
Getty Images
A seleção indígena da Colômbia terminou o torneio em segundo lugar. Mas Luis Díaz estava apenas começando. Sete anos depois, é considerado o maior nome do futebol de seus país. Mais: em apenas quatro meses, tornou-se peça fundamental no poderoso Liverpool, que decide neste sábado a Liga dos Campeões contra o Real Madrid.
- São minhas raízes, de onde cresci jogando futebol. Meu povo, minha terra natal. São minhas características, sempre as tive e elas me ajudam no jogo que eu faço hoje em dia - disse Luis Díaz, ao tentar explicar a origem de seu estilo de jogo ousado, em zona mista após um jogo da Liga dos Campeões.
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Origens no povo wayuu
A trajetória de Díaz é quase surreal. Suas origens são humildes: foi criado na cidade de Barrancas, no departamento de La Guajira, no norte da Colômbia. Apesar do sangue indígena, não tinha muito contato com esse estilo de vida. O povo wayuu vive na região e tem uma população de quase 400 mil pessoas, mas os pais de Díaz já haviam se mudado para a cidade. O que sobrou foi o apelido de guajiro.
- Somos descendentes deles. Os wayuu vivem fora da cidade, em uma espécie de cabana cujo telhado são folhas de palmeira. Na tribo, os homens vestem uma espécie de tanga, enquanto as mulheres vestem uma manta e um sombrebo. Têm um idioma diferente. Entendemos algumas coisas, mas já não o falamos - contou Luis Manuel Díaz, o pai do atacante, ao site "Mais Futebol", de Portugal.
“Don Manuel” é visto como o verdadeiro responsável pela carreira do filho. O pequeno Luis vivia na casa da avó, com um campo à frente, onde passava os dias treinando e aperfeiçoando sua técnica. Entretanto, sempre teve compleição física frágil e chamava atenção pela magreza. Aos quatro anos, pegou uma doença que o fez emagrecer e preocupou a família, que achava que ele iria morrer.
Luis Díaz nos tempos de Barranquilla FC
Reprodução
A contribuição de Valderrama
A recuperação veio, e com ela o futebol. Luis Díaz deu os primeiros passos no Barranquilla FC, um clube filial do tradicional Junior Barranquilla. Ao mesmo tempo em que se formava na base, integrou a seleção de sua cidade em um torneio indígena disputado em toda a Colômbia.
- Na Colômbia há um torneio entre comunidades indígenas. São uns 80 times, que jogam até chegar à final em Bogotá. A equipe da cidade de Luis era treinada pelo pai dele e chegou à fase final com outros 10 times. Já tínhamos algumas referências do Barranquilla e sabíamos que era um rapaz que seria importante na seleção. Era muito magro e muito rápido. Na primeira partida já percebemos que ele tinha condições - contou Jhon Jairo.
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A seleção indígena da Colômbia tinha como técnico ninguém menos que Carlos Valderrama, um dos maiores jogadores da história do país. Depois de dois períodos de treinamento, Valderrama incluiu Luis Díaz na convocação final para a Copa América e lhe deu a faixa de capitão. Neste período, teve papel decisivo na mudança de posição do atacante.
- Luis jogava de atacante, mas chegava na linha de fundo e não concluía as jogadas. Decidimos colocá-lo como meia, por fora, mas jogava pela direita e não tinha força na perna esquerda para chutar. Então, mudamos seu perfil e o posicionamos na esquerda, jogando no último terço. Ele tinha essa tendência para cortar para dentro, tinha boa potência, bom posicionamento e ótimo controle de bola. Assim, ele se consolidou - lembrou Jhon Jairo Díaz.
Luis Díaz é o quinto da esquerda para a direita, na fileira de trás, em foto com a seleção indígena da Colômbia
Arquivo pessoal
"Díaz é o nosso novo James"
Após a Copa América indígena, não demorou para Luis Díaz chegar ao Junior Barranquilla. Em 2018, ele já era titular absoluto da equipe. Não tardou para chegar à seleção principal da Colômbia e chamar a atenção de grandes clubes. O River Plate, da Argentina, tentou a contratação, mas não conseguiu.
Em julho de 2019, porém, não teve jeito. O Porto, de Portugal, chegou firme para contratar o atacante e pagou 7 milhões de euros. Na Europa, a adaptação não demorou. Logo em sua primeira temporada, Luis Díaz marcou 14 gols e sete assistências em 50 jogos.
Pela seleção colombiana, chegou a vez também de atuar na Copa América original. Em 2019, passou em branco, mas em 2021 marcou quatro gols e foi um dos destaques na campanha que terminou em terceiro lugar para a Colômbia. Ali, começava a passagem de bastão na liderança. Saía James Rodríguez, já em ocaso da carreira, e entrava Luis Díaz.
- Luis Díaz é o nosso novo James Rodríguez. Ele é a sensação, de quem se fala todos os dias nos meios esportivos. Os torcedores e a imprensa estão atentos a cada vez que o Liverpool joga na Premier League. Ele é o escolhido para liderar um novo processo na seleção. Estamos impressionados com a maturidade com que abordou sua chegada ao futebol inglês - resumiu o jornalista colombiano Óscar Ostos.
Torcedores do Liverpool exibem bandeira de Luis Díaz na seleção colombiana
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Chegada avassaladora no Liverpool
Lidar com expectativas não parece ser problema para Luis Díaz. Quando o Porto ficou pequeno demais para o colombiano, chegou nova etapa em sua carreira: defender o Liverpool, um dos maiores clubes do mundo e, atualmente, também dos mais poderosos dentro de campo.
O Liverpool pagou 40 milhões de euros ao Porto para contratar Díaz em janeiro. E o colombiano ignorou o senso comum de que a adaptação à Premier League seria difícil.
Em 25 jogos, marcou seis gols, deu quatro assistências e impressionou torcedores e imprensa com boas atuações na Liga dos Campeões - a última delas na semifinal contra o Villarreal, quando o time espanhol ensaiava uma reação contra os Reds.
- Ele é um grande jogador, fez uma grande diferença nos nossos jogos. Está jogando muito bem - elogiou Salah, estrela maior do Liverpool.
- Luis Díaz é sensacional. Se o Salah sair daqui a um ano, os torcedores do Liverpool nem devem ficar tristes. Têm alguém pronto para substituir, um talento incrível - elogiou o ex-jogador Gary Neville, atual comentarista na imprensa inglesa.
Com os constantes problemas físicos de Roberto Firmino, o trio de ataque do Liverpool mudou de figura nos últimos meses. Luis Díaz, hoje, configura-se como o mais provável companheiro de Salah e Mané.
Luis Díaz acerta voleio na vitória do Liverpool sobre o Villarreal, nas semifinais da Liga dos Campeões
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Uma foto com Cristiano Ronaldo e Messi
Na final da Liga dos Campeões, contra o Real Madrid em Paris, o guajiro colombiano terá mais uma prova para confirmar seus sonhos. Se tudo começou com o simples fato de fazer um gol na seleção indígena argentina, aqueles que pareciam mais que devaneios em 2015 vão se tornando mais próximos da realidade.
- Ele era um garoto que sonhava e sempre nos dizia que um dia iria jogar em um estádio grande do mundo, que o público iria lhe aplaudir e que ganharia a Champions. Era muito fã do Cristiano Ronaldo e do Messi e dizia que queria tirar uma foto com eles, mas que eles que iriam pedir, e não ele. A gente dizia: “Você está sonhando, pensando grande, mas tomara que possa conseguir” - contou Jhon Jairo.
Do gol sobre a Argentina até a final da Champions, só o que falta para Luis Díaz, agora, é a foto com Messi e Cristiano Ronaldo. E que as lendas estejam avisadas: eles que terão que pedir para o colombiano.