Ver a seleção brasileira sair derrotada do amistoso com Marrocos não deveria surpreender. O que, de forma alguma, significa dizer que o futebol do Brasil vive um estágio inferior ao marroquino, o que obviamente está longe de ser verdade. Mas dentro das circunstâncias peculiares que a seleção se permitiu viver nesta Data Fifa, o resultado foi absolutamente normal. Era um encontro que reunia, de um lado, o semifinalista da Copa do Mundo, jogando em seu estádio, representado por uma formação praticamente igual à que jogou o Mundial e diante de um público empolgado com a campanha no Qatar; de outro, estava um Brasil quase sem estrutura coletiva, profundamente modificado em nomes e sistema, cheio de desfalques. Quase um improviso.
Sabiri comemora após marcar o gol da vitória de Marrocos sobre o Brasil
REUTERS/Juan Medina
Ainda assim, vale ter outro tipo de reflexão. Cada eliminação em Copas do Mundo é a senha para diagnósticos sobre os problemas do futebol nacional. E, naturalmente, eles existem, em especial no âmbito do jogo doméstico. Mas vale olhar para o amistoso deste sábado e constatar que um time que jamais jogara junto, que tinha à beira do campo um treinador interino e sem qualquer perspectiva de permanecer no cargo, e que não contava com um punhado de jogadores importantes, foi superior em boas passagens do jogo a um rival muitíssimo mais estruturado. Porque, se há um problema que o Brasil não tem, é a capacidade de produzir talentos. A seleção brasileira, quando bem trabalhada, segue pronta para competir na elite. E a capacidade dos jogadores resultou em bons momentos no jogo. Coletivamente, era natural que um time tão desfigurado e com um comando que trabalhou menos de uma semana tivesse muito pouco a oferecer.
Sob o ponto de vista do Brasil, a análise coletiva do amistoso vale muito pouco. Porque, aconteça o que acontecer nos próximos três anos que nos separam da Copa de 2026, é bastante improvável que qualquer evento do jogo disputado em Tânger seja lembrado. Foi um jogo totalmente desconectado de qualquer processo. A seleção foi convocada unicamente para cumprir um compromisso e não passar em branco numa data destinada pela Fifa às equipes nacionais. Ramon Menezes não tinha sequer um diretor de seleções para dialogar sobre o que a CBF pretendia em termos de futuro. Tampouco tem um futuro técnico escolhido, cujas ideias fossem conhecidas, para que algum tipo de experiência útil para o próximo dono do cargo fosse adiantada. Nada. Eram apenas 90 minutos.
O jogo servia mais para ver jogadores do que um time. Andrey reforçou as sensações de que seu sucesso nas seleções de base pode se reproduzir na equipe principal. Lucas Paquetá foi bem na distribuição de jogadas, na criação. Rony tentou reproduzir o papel que tem no Palmeiras quando atua na ponta: muito trabalho defensivo e diagonais para atacar a linha defensiva do rival. Apresentou-se para o jogo, deu opções, mas tecnicamente não foi tão feliz. Rodrygo, muito dependente de ajustes coletivos para que pudesse executar bem a função de um camisa 9 de mobilidade, sentiu falta de entendimento com o time. Vinícius Júnior não foi mal, mas pode ser mais influente.
No jogo, Marrocos jogava de memória. Por vezes, a empolgação pela festa em casa o fazia marcar mais à frente do que na Copa do Mundo e oferecer espaços para o veloz ataque do Brasil. Mas a seleção tinha seus momentos especialmente em roubadas de bola no ataque. Quando se organizava para atacar, tinha três homens na saída de bola, quase sempre os zagueiros mais Alex Telles ou Casemiro. E tentava colocar cinco homens na linha de ataque com as subidas de Emerson Royal, permitindo a Rony atacar a área.
Sem bola, o time defendeu mal. Mas foi incomodado, principalmente, com a pressão em sua saída de bola. Rony deu passe que deixou Emerson Royal em dificuldade e o lateral acabou desarmado. Foi a origem do primeiro gol de Marrocos. Depois, nova recuperação ofensiva levou ao gol do 2 a 1 para Marrocos.
Com todos os problemas da seleção brasileira, foi controversa a anulação do gol de Vinícius Júnior, pouco antes de Marrocos abrir o placar. O goleiro Bono parecia ter domínio da situação ao chutar para a frente, o que daria condição ao atacante brasileiro. No gol, funcionou o desarme no campo ofensivo, numa interceptação de Paquetá para Casemiro chutar.
As trocas em Marrocos fizeram cair o nível dos donos da casa, mas desfiguraram ainda mais o Brasil, com mudança de sistema e dois homens pelo centro do ataque: Yuri Alberto e Vítor Roque. Se já não era simples montar um plano A para este jogo, mais complicado ainda ter uma alternativa. A derrota não surpreende. O pós-Copa do Brasil, o novo ciclo, só vai começar em junho, caso a CBF consiga mesmo contratar um treinador.