Estreias aguardadas no clássico, Suárez e Pedro Henrique passaram em branco, enquanto Vina e Carballo marcaram os gols da vitória gremista. O Gre-Nal é suportável apenas devido à sua inevitabilidade -- não importa nossa vontade, lá está o primeiro clássico do ano marcado para alguma rodada aleatória de fase inicial do Gauchão. O que é uma irresponsabilidade psíquica, uma questão quase sanitária, pois do resultado desse jogo qualquer, perdido no verão, depende a nossa saúde emocional para enfrentar outra semana de vida ordinária. Perdemos, ganhamos ou empatamos. Algumas vezes, até sobrevivemos -- seria a edição de Eduardo Galeano à sua clássica e ingênua sentença.
No jogo que marcava muitas estreias em clássico -- o pistoleiro mundialista Luisito Suárez de um lado, recebendo o brilho mais sedento dos holofotes, e o alemão Pedro Henrique de outro, defendendo seu clube do coração (e a ele agradecemos pela cumplicidade em tão inconsequente decisão) --, foram outros pioneiros menos chamativos que escreveram a história do clássico. Também estreantes, Vina e Carballo marcaram os gols da vitória tricolor no primeiro Gre-Nal da temporada.
Não apenas anotaram os gols, como marcaram cada um deles nos acréscimos de cada tempo, e no meio disso Allan Patrick, este já conhecedor dos perrengues gaúchos, havia empatado por alguns minutos, num dos raros bons momentos colorados. A vitória gremista passou, fundamentalmente, pela postura coletiva do time de Renato, que se mostrou dominante na maior parte do confronto contra o rival, que Mano Menezes mandara a campo como se fosse uma passiva e contemplativa capivara banhando-se no mesmo Guaíba frequentado por uma legião de leopardos -- como se esse Grêmio fosse a Holanda de 74, o Santo André de 2004, o Vincent van Gogh de 1875. Algo assim.
Houve muitas chances e poucas faltas. Para alegria dos parnasianos e satisfação de sua pobre compreensão sobre as coisas que dignificam a vida no campo (e fora dele), também nenhuma expulsão. Não esqueçamos: no momento adequado, quando é tudo que precisamos, com o movimento e a força recomendáveis, um coice não apenas concede sentido como purifica a alma (do indivíduo ou de uma nação).
No meio de tudo isso, outros estreantes gremistas, como EL BAILARINO Cristaldo, como se estivesse na milonga de um homem só (mas não solitário), triunfaram diante de alguns colorados atordoados, como o goleiro Keiller e o meio-campista Carlos de Pena, que certa noite acordaram em meio a sonhos intranquilos e se viram arremessados no caldeirão de ações, emoções e percepções que é um Gre-Nal. Assim sendo, pegos de supetão, acabaram fracassando, cada um à sua maneira.
É só um clássico de primeira fase do campeonato estadual, é o que geralmente afirma quem não tem sua vida comprometida por esses caminhos que entrelaçam o vermelho e o azul e cujos resultados acabam interferindo de maneira irreparável não apenas nas expectativas esportivas, mas também nas trajetórias pessoais, romances de verão, heranças de família, complexas formações em mesas de bar, reuniões de condomínio e furtivos encontros em motéis situados em rodovias pouco iluminadas.
Aos gremistas (e aos colorados, por consequência), a imperiosa verdade que resta é a seguinte: após a injeção de ânimo com a chegada de Suárez, há também uma vitória em Gre-Na para creditar na fatura da temporada que recém começa. Como efeito borboleta, causa e consequência, esse tipo de somatório pode culminar em coisas muito maiores nos próximos meses -- se não em título, quem sabe na extinção de alguma espécie rara de gafanhoto. É sobre tudo isso que aqueles que habitam módicos terrenos abaixo do Rio Mampituba vão pensar hoje antes de dormir, com a cabeça apoiada em um travesseiro recheado de tocos de brasa.
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