O que sucedeu na Arena na noite de quarta-feira representou uma espécie de recomeço para a alma gremista. O que sucedeu na Arena na noite de quarta-feira representou uma espécie de reset para a alma gremista. Se desde meados de 2021 os pensamentos mais sinceros da torcida orbitavam em torno de intensa desconfiança e irrevogável melancolia, a apresentação de Luisito Suárez, mesmo que não seja garantia de títulos, ao menos anuncia um horizonte em que a esperança não está descolada da realidade. O histórico atacante uruguaio chega para preencher várias lacunas ao mesmo tempo: não apenas dentro do campo, mas também no âmbito moral, anímico e talvez hierárquico.
A chegada de Suárez permite ao tricolores abandonarem as protocolares ambições de uma temporada segura e, sem meio termo, saltarem rumo à audácia de se imaginarem, em alguma tarde ou noite qualquer, levantando alguma taça. Porque Suárez, quinto maior artilheiro em atividade no mundo, tem calibre para provocar esse tipo de revolução no ambiente -- dentro e fora do campo. Entre os clubes brasileiros, certamente é a maior reversão de expectativas (para o bem, no caso) nesse começo de 2023.
Faltando poucos dias para completar 36 anos, obviamente o maior artilheiro da seleção uruguaia não é mais aquele petiço imparável que infernizava qualquer ser vivo num raio de quinhentos metros, mas o faro goleador segue apurado e, provavelmente, a inteligência para provocar abalos sísmicos nos sistemas defensivos através de um simples giro de corpo foi aperfeiçoada nesses muitos anos de cancha. Além de tudo isso, se o arranque de coelho já não é o mesmo de dez primaveras atrás, os dentes certamente também seguem intactos, o que é sempre um fator desestabilizador para qualquer adversário.
Não se deve olhar para o passado com os olhos do presente, bem sabe alguém que gastou sua herança investindo em máquinas de escrever elétricas (sei que existiram pois comprei uma), então é difícil afirmar que Luis Suárez é a maior contratação da história gremista. E nem precisamos sair do Uruguai para alimentarmos a dúvida: em 1971, também proveniente do Nacional, o clube gaúcho trouxe ninguém menos que o zagueiro Atilio Ancheta, recém campeão da Libertadores e escolhido um dos melhores zagueiros da Copa do México (a Celeste foi eliminada apenas na semifinal, pelo Brasil). Em uma época em que os melhores do mundo estavam na América do Sul, o defensor chegava ao Olímpico aos 23 anos, na flor da idade e no seu auge técnico. Anos depois, seguindo a tradição de contratar uruguaios campeões continentais pelo Nacional, também Hugo De León desembarcaria em Porto Alegre -- e teria mais sorte em termos de títulos do que o compatriota.
É indiscutível, no entanto, que a chegada de Suárez representa uma das contratações mais impactantes no futebol brasileiro nos últimos muitos anos. E, para os gremistas, certamente a contratação mais necessária de sua história recente: ver um dos melhores centroavantes do mundo nas últimas décadas entusiasmado em vestir a camisa tricolor, chegando no Humaitá com família e tralha e tal, e com os olhos marejados pela forma como foi recebido é uma forma de reestabelecer as energias vitais da arquibancada. Se essa comunhão de emoções vai se refletir ou não em resultados, por enquanto é coisa que apenas as entidades habilitadas nos assuntos do futuro poderiam nos adiantar, mas é possível dizer que, mesmo sem entrar em campo, Suárez já cumpriu metade da suas atribuições.
Footer blog Meia Encarnada Douglas Ceconello
Arte
