É possível olhar para a classificação da França e dizer que a Inglaterra pareceu o melhor time na maior parte do jogo. Mas o que chama atenção é que os franceses seguem vivos na corrida por uma segunda Copa do Mundo consecutiva apesar de uma pesada lista de desfalques, que inclui nomes como Kanté, Pogba e Benzema, recentemente eleito o melhor jogador do mundo. E, ainda assim, é indisfarçável a sensação de um time que, mesmo quando não exibe seu melhor jogo, decide graças a individualidades acima da média. A industrial produção francesa de talentos triunfou na Rússia, e ameaça repetir o feito no Catar. A França, por vezes, precisa de pouco para ganhar um jogo que parece distante de controlar.
França e Inglaterra fizeram um destes duelos fascinantes, que obrigam times, jogadores e jogadores a decisões dificílimas. Que riscos cada lado se dispõe a assumir? Que vulnerabilidades é possível admitir em nome de potencializar jogadores que podem fazer a diferença com a bola? O primeiro tempo mostrou o quanto era difícil achar a resposta correta. Talvez ela sequer exista.
Walker foi escalado na lateral direita com a missão de vigiar Mbappé, quase imparável com um mínimo espaço para correr. É fato que o francês talvez tenha sido menos influente no ataque do que em outros jogos. Mas quem vencia o duelo? Não é simples responder, porque ao mesmo tempo a Inglaterra se via obrigada a abrir mão de uma peça na hora de atacar.
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Pois na única vez que Walker ocupou o setor esquerdo da defesa da França, justamente o lado descoberto por um Mbappé desobrigado de defender, a perda da bola iniciou uma arrancada de Upamecano. A bola chegou ao atacante da França, que atraiu três marcadores e gerou a jogada do primeiro gol. A Inglaterra até se recompôs, mas o chute de Tchouaméni venceu Pickford.
No jogo mental, no teste de ousadias e de busca por controle que o duelo apresentava, após o gol francês Walker quase não apareceu mais no campo de ataque. E a Inglaterra não apresentava outra alternativa no espaço menos defendido pela França. Teve a bola, mas arriscou pouco.
Gareth Southgate, técnico inglês, alteraria o cenário no segundo tempo. Não por mover Walker, que seguiu conservador em função de Mbappé, mas abrindo Henderson na direita para ocupar o espaço vazio. Ali, ele se juntaria a Saka e, por vezes, a Bellingham. E iria aparecer a mais firme convicção do jogo: a aposta da França na assimetria, na decisão inabalável de não desgastar Mbappé com a recomposição. A disposição de poupar o atacante de tarefas defensivas é levada às últimas consequências.
Kane, brilhante no duelo com Upamecano, empatou o jogo num pênalti surgido após uma jogada de Saka e Bellingham. No entanto (veja o vídeo acima), a origem do lance é o mais interessante do movimento. Dembélé, o ponta direita francês, acabara de defender pelo corredor direito em uma jogada que quase acaba em gol da Inglaterra. Imediatamente, a França contra-ataca e Dembélé parte para a frente. Perdida a bola, ele se vê obrigado a correr novamente para trás. Neste momento, está bem à frente de Mbappé, que sequer esboça reação de ajudar. Pelo lado justamente de Mbappé, acontece o pênalti. Ou seja, ficava claro que nem em situações extremas a assimetria francesa se romperia. Deschamps sabe que assume riscos, mas certamente confia na capacidade defensiva do time para se reordenar defensivamente. O que tem em Griezmann, que com bola é um “camisa 10” brilhante, um jogador extremamente solidário.
O fato é que a Inglaterra predominava no jogo, produzia o bastante para virar e mantinha adormecidos os ameaçadores atacantes franceses. O plano parecia funcionar. Ocorre que está é uma França cujos talentos precisam de poucas chances para desequilibrar. Como Griezmann, autor do grande cruzamento para Giroud desempatar contra a maré da partida.
Sinal de que na balança dos riscos e dos cuidados a França fez melhores escolhas? A Copa do Mundo já nos ensinou que nem sempre é assim. Este é um torneio com a marca do incontrolável, do indomável, simbolizado no pênalti perdido por Kane, um dos grandes nomes do jogo. A França, que parece ter uma reserva de jogadores capaz de torna-la imune aos efeitos dos desfalques, está de novo entre os quatro melhores times de um Mundial.