Com a queda diante da Croácia, a seleção brasileira ficará no mínimo 24 anos sem vencer uma Copa do Mundo, mesma janela de tempo entre o time de 1970 e o tetra nos Estados Unidos. Meu estimado e imberbe amigo, não sei se tu mora em Maceió ou Uruguaiana, mas particularmente hoje estamos muito próximos -- no tempo e no espaço. Com a queda diante da Croácia, a seleção brasileira ficará no mínimo 24 anos sem vencer uma Copa do Mundo. Seria exatamente a mesma janela de tempo entre o time de 1970 e o tetracampeonato nos Estados Unidos. É um tempo incomensurável para quem é jovem -- e, para os velhos, mais ainda.
Tudo isso me ocorreu na ânsia de que a Copa atual seja o que foi para mim a Copa de 1990. Era a primeira edição que acompanhava de verdade, absolutamente absorto neste emaranhado de emoções que é o futebol. Apesar de contar com bons jogadores, talvez aquela tenha sido a seleção menos convincente da história. Fez seu melhor jogo justamente quando caiu, derrubada pela genialidade de Maradona, depois de passar a tarde castigando a trave dos argentinos.
Assisti àquele jogo no salão de uma igreja, junto com umas quinhentas pessoas, todas absorvidas pela imagem que luzia em uma televisão de catorze polegadas. Naquele tempo, especialmente em Copa do Mundo, dispor de uma televisão que mostrasse algo remotamente parecido com o que acontecia em campo era como ter um oráculo particular na sala de casa. Aquela derrota, ou melhor, a evidência de que no futebol o mais comum é perder, e será com isso que precisaremos aprender a conviver, serviu como uma tijolada de realidade impossível de matar no peito. Do alto dos meus 11 anos, aquela derrota me destruiu.
Na época me irritou profundamente, e talvez assim aconteça contigo, a perseguição por culpados pontuais, o que nada mais é do que uma tentativa coletiva de driblar a tristeza. Diziam que Alemão não havia derrubado Maradona porque eram colegas no Napoli, que o ainda jovem Taffarel tinha errado no bote em Caniggia. Vá por mim: não deixe ninguém ameaçar a pureza da tua tristeza, que essa sim a gente consegue amaciar na caixa e, com o passar do tempo, deixar mansa no chão.
Foram quatro séculos para que chegasse 1994, que indiscutivelmente é o auge na relação entre a minha geração e a seleção brasileira. Todos duvidavam do time de Parreira, menos eu e uns sete amigos. Era impossível não vencer com Taffarel e Romário, pensávamos, sendo que obviamente o mais provável era perder mesmo com Taffarel e Romário -- e, se me permite um único conselho, é esse: a tristeza uma hora passa, mas a ilusão sempre renova as raízes. Vamos nos decepcionar trezentas vezes, mas vai te alcançar aquele momento em que o estalo simplesmente é pressentido -- e esse estalo vai fazer eco pelo resto da tua vida. Baggio correu pra bola. Oliver Kahn deu rebote.
Apenas depois do jogo me dei conta de que meu nervosismo, assim como a ilusão, era também motivado pelos intervalos sem título que hoje se repetem. Durante muito tempo, e pelas mais variadas razões, dei de ombros para a seleção brasileira. Hoje eu estava torcendo, como em 1990. Em frente a um oráculo tecnologicamente mais fiel, mas sentindo falta de certos ensinamentos que apenas Careca contra Goycochea em um salão de igreja podem proporcionar.
Estava torcendo, na verdade, também porque precisamos urgentemente ser felizes, nem que seja colocando um bombril na antena da TV para tentar capturar a felicidade e torná-la perceptível aos sentidos. Provavelmente a referência te escapa, mas o fato é que hoje estamos muito próximos -- ainda que, assim espero, muito menos cúmplices do que seremos em 2026.
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