Em vídeo, como Pedri e Gavi ajudaram a Espanha a controlar os espaços em parte do jogo Fosse este jogo disputado numa fase mais avançada da Copa do Mundo, ninguém estranharia. Se o parâmetro for qualidade técnica dos dois lados, equilíbrio, alternativas táticas usadas de forma inteligente e apreensão até o final em torno do resultado, não houve nada melhor no Mundial do Catar até aqui. Como bônus, foi um daqueles jogos que mostram exatamente onde está cada uma das seleções. A Espanha pareceu ter controle por mais tempo, a Alemanha finalizou mais. Pedri e Musiala foram protagonistas brilhantes nestes 90 minutos que valeram a pena.
Como bônus, o jogo entregou traços de cada escola, ainda que o conceito de escola seja um tanto volúvel nestes tempos globalizados, em que o jogo se universaliza. Como se Alemanha e Espanha bebessem uma na fonte da outra.
Gavi, da Espanha, disputa a bola com Goretzka, da Alemanha
REUTERS/Kai Pfaffenbach
A linha do tempo do futebol não é o descarte de antigas ideias em nome de novas. É uma soma. A última grande contribuição ao jogo, a elevação da importância da pressão a um novo patamar, é uma contribuição tipicamente alemã, de nomes como Klopp, Ralf Rangnick, Naggelsmann... Mas era algo que, no fim do trabalho de Joachim Löw, justamente a seleção alemã tinha dificuldade de fazer. A Alemanha tinha cada vez mais traços do chamado jogo posicional, jogadores ocupando zonas do campo, orientados em função do espaço no campo, uma contribuição em parte holandesa, em parte espanhola. Mas não pressionava. Neste domingo, no 1 a 1 do Catar, a Alemanha de Hansi Flick, como se vivesse um reencontro com ela mesma, foi melhor sempre que acertou a pressão.
A Espanha, emblema justamente do jogo de posse e da ocupação racional dos espaços, sustentou seus melhores momentos a partir da... pressão. Foi com base nela que que tentou recuperar a bola e manter um alto índice de posse, base de seu jogo, cenário em que se vê mais confortável.
Um jogo que a Espanha termina com 65% de posse, porém com menos finalizações do que o rival e um empate no placar, pode reacender a grande discussão sobre este time: o talento concentrado no meio-campo, a falta de contundência nas áreas. É como se a Espanha fosse um dos melhores times do mundo no futebol disputado nos 70 metros de comprimento entre a linha de cada grande área.
A base do domínio da bola, da capacidade de fazê-la progredir, tem a ver com uma capacidade rara de gerir os espaços do campo. Jogadores como Gavi e Pedri, ainda tão jovens, são especialistas em ocupar a zona certa, de participar mesmo que sem bola, de fixar um marcador, atrair, liberar companheiros. Neste sentido, deram uma exibição. Pedri em especial.
A Alemanha, para contrapor o meio-campo espanhol, entrou com um jogador a mais no setor. Colocou Gundogan mais avançado, tentando bloquear Busquets. Cabia a Kimmich e Goretzka acompanhar Gavi e Pedri. Por vezes, como mostra o vídeo a seguir, cada um dos meias se movia lateralmente, tentando espaçar os volantes alemães. Era neste espaço que Asensio, o falso 9, deixava a linha de ataque e recebia a bola. Este atraía um dos volantes da Alemanha e liberava um dos meias.
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Em outros momentos, Pedri recuava e levava Kimmich até perto de sua área. Asensio também carregava com ele um zagueiro alemão e a Espanha, a partir de ótimas construções de Laporte, atacava os espaços criados. Mas faltava contundência e, por vezes, mais ataques à profundidade.
Luís Enrique lançou Morata para mudar a forma de atacar. Como mostra o vídeo, de novo o controle dos espaços foi vital e permitiu à Espanha criar o lance do gol. Pedri, sempre cerebral, atraiu Gnabry, enquanto Dani Olmo fixou o lateral Kehrer. O resultado foi Jordi Alba livre pelo lado para cruzar e contar com a ótima antecipação de Morata, largamente superando Süle.
Mas a Alemanha não era mera espectadora do jogo. Já antes de a Espanha abrir o placar, melhorara sua pressão ofensiva e deixara os rivais menos confortáveis. E ao sair de trás, era perigosa sempre que encontrava Musiala, brilhante no controle da bola, nos giros sobre os marcadores e na capacidade de levar o time à frente. A questão é que Müller não conseguia ser influente no centro do ataque.
No segundo tempo, em desvantagem, Flick fez duas mudanças vitais. O centroavante Füllkrug tentaria expor a dificuldade espanhola de competir em sua própria área. Já Sané, que entrou pela direita, criou o desequilíbrio, deu um toque de rebeldia ao jogo alemão. Canhoto, trazia da ponta para o centro e buscava o passe. Num deles, achou Musiala, que bateu Rodri, girou o corpo e deixou Füllkrug pronto para o empate. No primeiro tempo, uma cobrança de falta já achara Rüdiger, que só não abriu o placar porque estava impedido. Mas a defesa de área da Espanha deixara a desejar.
Num duelo de qualidade técnica e inteligência no meio-campo, dois "camisas 9" terminaram por ser decisivos. Agora, os dois times jogarão o futuro na rodada final da fase de grupos. A Espanha com mais conforto, a Alemanha em situação acessível. Confirmando a passagem, serão duas grandes candidatas. Cada time à sua forma, cada time com suas virtudes e defeitos, o 1 a 1 foi o grande duelo da Copa até agora. E mostrou o que une e o que separa Espanha e Alemanha neste futebol cada vez mais global.