Um jovem meio-campista conduziu a Inglaterra na maior goleada do dia, pouco antes de outro meia se tornar o que de mais positivo se viu numa Holanda que saiu de campo com um prêmio maior do que o merecido. A segunda-feira na Copa teve ainda os jogos intermináveis, com uma fartura de acréscimos nunca vista. Sem falar na incapacidade da Fifa de lidar, com alguma empatia, com movimentos contra a opressão e em defesa de minorias.
O BRILHO DE BELLINGHAM
A primeira tarefa da Inglaterra diante do Irã era abrir o cadeado. A chave foi o movimento, atrair marcações e gerar espaços. Num deles infiltrou Jude Bellingham, 19 anos e uma capacidade de leitura de jogo impressionante. O meia do Borussia Dortmund é daqueles jogadores capazes de receber a bola perto da defesa e iniciar a organização, mas também de se colocar entre as linhas de marcação dos rivais. Ou de penetrar na área.
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REUTERS/Paul Childs
A sequência da Copa vai mostrar se os dois gols do Irã foram resultado de uma desmobilização diante da vantagem no placar, ou se ainda são traços de uma Inglaterra instável sem bola. Com ela, o time ocupava o ataque com o lateral Shaw aberto na esquerda, enquanto Trippier ficava um pouco mais atrás para permitir a Saka enfrentar a marcação. Sterling, Mount e Bellingham, com Rice por trás, moviam-se pelo centro em torno de Harry Kane. O primeiro gol, de Bellingham, foi um exemplo de como abrir espaços.
A partir daí, a Inglaterra exibiu outras facetas de seu repertório. Primeiro, a bola parada que originou o segundo gol. Depois, com o Irã um pouco mais aberto, a bola longa para Kane exibir sua interminável capacidade de jogar de costas e acionar companheiros. Difícil encontrar no mundo um centroavante com tamanha qualidade de passe.
A Inglaterra teve a grande atuação da Copa até aqui. Vale observar se o Irã, que deixou no banco ao menos um de seus principais defensores e um volante cotado para ser titular, dosou esforços para as outras partidas do grupo.
DE JONG, O DONO DA BOLA
A Holanda sofreu com o reforçado meio-campo de Senegal. No primeiro tempo, com Dumfries transformado em ponta na direita e sem um jogador de profundidade na esquerda, tinha dificuldade para funcionar com bola. O tempo todo, dependeu de Frenkie De Jong. O meia do Barcelona foi responsável por tudo de bom que os holandeses fizeram.
Frenkie de Jong cruzou para o cabeceio de Gakpo: dupla foi desafogo para pouca criativa Holanda na estreia
Kai Pfaffenbach/Reuters
No segundo tempo, quando Senegal criara duas ótimas chances em contragolpe, coube a De Jong achar Gakpo para o 1 a 0. Um lindo passe que se aproveitou, também, do novo posicionamento do jovem de 23 anos, jogador do PSV. Mais adiantado, rendeu melhor do que como um meia por trás de Bergwijn e Janssen, este último uma escolha de Van Gaal que não funcionou. Mas antes, De Jong levara a Holanda com distribuição de jogo e, principalmente, com suas conduções de bola. Era o melhor caminho holandês. Senegal, para quem perdeu um ídolo nacional, competiu dignamente.
OS ACRÉSCIMOS SEM FIM
Os quatro tempos com maior duração de que se tem notícia na história das Copas aconteceram todos nesta segunda-feira. Ao todo, Inglaterra e Irã somaram 27 minutos de acréscimos; foram dez minutos e meio no segundo tempo de Estados Unidos e País de Gales; e dez minutos e três segundos no segundo tempo de Holanda e Senegal.
Acréscimos no jogo entre Inglaterra e Irã, pela Copa do Mundo
Reuters
Não há dúvida de que devolver ao jogo o tempo perdido é saudável. O público tem direito a ver algo mais próximo possível dos 90 minutos regulamentares, ainda que o futebol não seja um esporte de relógio parado a cada vez que a bola sai de jogo. No entanto, é preciso atentar também para o fato de que o futebol é um esporte essencialmente dependente de seu ritmo. Este é um traço fundamental do jogo. O risco de alguns acréscimos é que a Copa do Mundo gera tendências, se não táticas, mas comportamentais. O futebol precisa compensar o tempo perdido. No entanto, acomodar-se na naturalização dos acréscimos gigantes pode desviar a atenção do essencial: reduzir as paralisações longas durante as partidas.
AS LINHAS DE CINCO DEFENSORES
Até aqui, cada uma das quatro partidas disputadas na Copa teve, ao menos, um dos times atuando com três zagueiros e cinco defensores. Houve variações de comportamentos, mas a parte mais didática é observar que se tratavam de times com propósitos diversos.
O desempenho engana, mas o Catar usava seus três defensores para adiantar o time e construir. Não conseguiu, é verdade. Já o Irã montou um 5-4-1 com propósito defensivo, tentando negar espaços à Inglaterra. Após o primeiro gol, o time desmoronou.
País de Gales também tinha uma proposta defensiva, buscando lançamentos longos para Bale ou para os alas, que raramente conseguiram chegar à frente na primeira etapa. No segundo tempo, com Kiefer Moore disputando os duelos pelo alto, o sistema de Robert Page fez mais sentido e o time cresceu.
Já a Holanda, que defendia com cinco homens, mudava seu formato quando tinha a bola. De Ligt, zagueiro pela esquerda, virava um lateral. Já o ala Dumfries se tornava um ponta. Enquanto Blind era o lateral pela esquerda. A ideia era ter iniciativa do jogo, mas a equipe não jogou bem. A Copa deverá refletir a tendência de muitas linhas de cinco homens na defesa no jogo atual.
A FIFA E AS BRAÇADEIRAS
Dias depois de, numa constrangedora coletiva, o presidente Gianni Infantino ter dito que a Fifa se importa com minorias, a entidade outra vez foi em caminho inverso. Deixou no ar ameaças de punições esportivas a seleções europeias que desejavam usar uma braçadeira do "One Love", movimento de apoio à comunidade LGBTQIAP+. No Catar, país com largo histórico de desrespeito a direitos humanos, a homossexualidade é criminalizada.
Para completar, a Fifa proibiu a mensagem "Love" (amor, em inglês) num dos uniformes da Bélgica. O futebol passou 12 anos fingindo ignorar que a sede da Copa é uma ditadura teocrática, que promove perseguições religiosas, restringe direitos das mulheres e oprime minorias. Mas o dinheiro permitiu ao país conquistar o direito de receber o evento. Atada, presa em sua própria escolha movida pela ganância, a Fifa mostra sua incapacidade de ter qualquer atitude de empatia.