Por conta própria, atletas buscam terapia e adotam outros cuidados; Tite e auxiliares tiveram acompanhamento profissional ao longo de ciclo, mas comissão não terá especialista Em sua segunda Copa do Mundo no comando da seleção brasileira, o técnico Tite decidiu repetir a estratégia adotada na Rússia e não incluiu um psicólogo na delegação que viajará ao Catar.
A última vez que o Brasil teve um profissional especializado no cuidado com a saúde mental foi no Mundial de 2014, em que a psicóloga Regina Brandão integrou a comissão do técnico Felipão.
Tite dá atenção aos aspectos emocionais em seu dia a dia de trabalho com os atletas e dedica boa parte das preleções para encorajá-los. Porém, no entendimento dele, a presença de um psicólogo na comissão surtiria pouco efeito na Copa, uma vez que o tempo para criar vínculos de confiança entre os atletas e esse profissional é escasso. Vale lembrar que dessa vez a preparação da Seleção será mais curta do que em outros mundiais, com apenas nove dias de treinamentos.
O técnico Tite, em entrevista exclusiva ao ge, na sede da CBF
André Durão
Recentemente, no programa "Bem, Amigos", do sportv, Tite foi questionado sobre a importância de um acompanhamento emocional e afirmou:
– Eu já tinha um preparo psicológico de um profissional, assim como temos assessoramento de pessoas suficientemente abalizadas para nos conduzir nessa seara psicológica – disse o treinador.
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O assessoramento a qual Tite se referiu foi recebido por ele e auxiliares ao longo do ciclo de Copa. Um psicólogo fez reuniões esporádicas com eles na sede da CBF, no Rio de Janeiro, e tratou de diferentes temas. A saída do treinador do cargo no final deste ano foi tema de uma das conversa:
– Temos um profissional que nos acompanha em termos de suporte psicológico e ele falou sobre trabalhamos com a finitude das coisas: tudo tem um tempo, e o ser humano muitas vezes não lida bem com o término das coisas. Você não aceita. Depois que a gente conversou sobre isso, eu levei um tempo a refletir – contou o auxiliar César Sampaio, em podcast do ex-jogador Denílson.
Boleiros no divã
Nos últimos anos, o tema da saúde mental ganhou relevância no debate esportivo e despertou interesse de jogadores, inclusive entre convocados da Seleção.
– É muito importante, eu faço acompanhamento psicológico há uns cinco, seis anos. Isso me ajuda muito – comentou o lateral Alex Telles, em entrevista ao ge.
– A gente lida todos os dias com pressão. Às vezes a pressão é positiva, às vezes a pressão é negativa, tem altos e baixos nos treinamentos e nos jogos. Sem falar a vida pessoal, que também é muito importante e pode te atrapalhar ou te ajudar.
Alex Telles em treino da Seleção na academia
Lucas Figueiredo / CBF
Telles não é o único. Em entrevista recente, o meia Everton Ribeiro contou que buscou suporte psicológico em um momento em que estava em baixa no Flamengo e tinha ficado fora de convocações de Tite:
– Procurei uma psicóloga que me ajudou muito. Me colocou no caminho, me fez esquecer e colocar coisas de lado. Centrar no que eu precisava fazer. Isso me mostrou o quanto o psicológico, estar com a cabeça boa, ajuda em entrar na direção certa. Precisava estar focado no que tenho de melhor, para evoluir e chegar nesse momento.
Praticante de ioga e adepto da meditação, o lateral-direito Danilo não só faz acompanhamento psicológico como também criou um projeto que discute, entre outros temas, a importância do cuidado com a saúde mental. Recentemente, ele discutiu o assunto com Zé Love, ex-companheiro dele no Santos, que enfrentou quadro de depressão.
Um dos caçulas da Seleção, com 21 anos, Rodrygo é outro que se preocupa não apenas com aspectos físicos e técnicos, mas também mentais. O jogador do Real Madrid recorreu ao coach Joel Jota, que se intitula "treinador de alta performance".
– Eu sempre fui um cara tranquilo, de boa para tudo, mas eu sempre tive a mente aberta de que mais pessoas poderiam chegar para me ajudar, e eu encontrei isso no Joel também, além da minha família e todas as pessoas que me ajudaram. Ele faz parte da nossa equipe, mais focado nesse trabalho, tem me ajudado bastante, conversa comigo – explicou Rodrygo, ao ge.
Divergência
De acordo com João Ricardo Cozac, psicólogo do esporte e presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, assim como a Seleção, a maior parte dos clubes da Série A do Brasil não tem psicólogos em seus quadros de funcionários. Já na base, existe esse tipo de acompanhamento por uma obrigação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Cozac discorda da decisão de Tite e contesta a ausência de um psicólogo na comissão da Seleção:
– Seleções como Inglaterra, França, México, Alemanha, Holanda contam com departamentos de psicologia no esporte atuantes durante todo o processo. Os profissionais trabalham os jogadores individualmente no formato online, já que eles moram e atuam em outros países, e quando eles se reúnem nas convocações são realizados os trabalhos psicológicos que visam ampliar a motivação, comunicação, coesão, integração de equipe e liderança. Essa iniciativa o Tite e a CBF não têm. Eles deveriam entender que a psicologia pode trabalhar antes das convocações e, depois que os atletas estiverem convocados, pode ser realizado um trabalho de grupo – argumenta.
– O Tite não é psicólogo, não conhece todas as linhas de trabalho e de treinamento psicológico no esporte. Há linhas que têm formatos mais breves de atuação – complementa o especialista.
Dos 26 convocados para buscar o hexa, 16 nunca foram a uma Copa. O mais experiente nesse sentido é o zagueiro Thiago Silva, de 38 anos, que disputará seu quarto mundial.
O Brasil estreia no Catar no dia 24 de novembro, contra a Sérvia, às 16h (de Brasília). O Grupo G ainda conta com Suíça e Camarões.
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