Após sair perdendo, time de Mano Menezes vira para 4 a 1 contra o Colo Colo e obtém a classificação para as quartas de final da Copa Sul-Americana. Já faz alguns bons anos, não é segredo de estado, que as coisas não têm sido fáceis para os colorados. Acompanhar o time, esse hábito tão enraizado nos torcedores, parece ter deixado de ser uma válvula de escape da rotina madrasta para se transformar justamente numa extensão da miséria cotidiana. É verdade que isso acontece com todo mundo, ganhar é raro e cada explosão é um tesouro a ser guardado, mas o Inter conseguiu se aperfeiçoar em esticar o limite da reversão de expectativas.
Às vezes uma simples tarefa doméstica, como lavar uma pia repleta de louça e toda a possibilidade de contemplação que isso proporciona, de repente se transforma em momento de ruminar eventos recentes em uma torrente de pensamentos -- um meio metro adiantado, uma decisão perdida, um rebaixamento que ainda lateja em dia de chuva -- para enfim, enxaguando já com raiva um par de colheres, olhar para o azulejo e exclamar: "Puta que me pariu, Inter".
A relação que devia proporcionar alguma leveza, ao menos de vez em quando, vem apenas multiplicando a desgraça rotineira e se infiltrando nas frestas do dia a dia e nas memórias que não podemos editar -- e a nós não resta saída senão digerir com orgulho e seguir em frente, talvez recorrendo a um cântico de torcida, para tornar a capacidade de lembrar um pouco mais amorosa, quase sensual em termos sensitivos. "Eu nunca esquecerei dos dias que passei contigo."
Ao menos nessa terça-feira, deixamos de lado o cheiro amargo do detergente que esfarela os dedos e corrói os sonhos para sentir novamente o nostálgico aroma da fumaça dos sinalizadores, que tanto ludibria a realidade e aquece o coração. Se o Inter tivesse obtido um resultado melhor no Chile, a comoção não teria essa envergadura. Mas a derrota por 2 a 0 na primeira partida, por mais paradoxal que pareça, fez recrudescer nos colorados o sentimento de comunhão -- não em vão, era uma competição continental, o habitat que serviu para uma geração perceber do que o Inter era capaz. Que nos traz memórias quase táteis -- uma Capela Sistina refletindo em cima do fogão.
O gol do Colo Colo, que deixava a série com um sonoro 3 a 0 para os chilenos, após pênalti cometido de forma infantil pelo arqueiro Daniel, de certa forma parece ter feito a equipe de Mano Menezes estreitar a conexão com o que acontecia no Beira-Rio e no entorno do estádio -- que nos últimos dias basicamente era todo o Rio Grande do Sul e também suas cercanias. Se os colorados convergiram dos mais desconhecidos logradouros rumo à Avenida Padre Cacique, também em campo os colorados passaram a emergir de qualquer ranhura do campo, adotando a selvagem sabedoria dos animais que esperneiam, para desenroscar da forma que fosse mais uma pernada que o destino ameaçava nos passar.
Não que tudo tenha sido feito na base da empolgação. Bem pelo contrário, afinal de contas o Inter teve um grande desempenho tático e individual. Sobretudo, e isso também é um componente indissociável do que acontece em campo, a equipe de Mano Menezes mostrou imposição e disposição para apertar com um torniquete o time muito bem treinado por Gustavo Quinteros até que a lembrança maior pudesse ser consumada -- a virada veio na base do coice e o placar da classificação aconteceu quando o Beira-Rio já não diferenciava concreto e gramado. Exatamente como acontecia alguns anos atrás. Exatamente como aquele gostinho bastante íntimo de América do Sul que a memória ressuscita vez que outra enquanto tomamos uma necessária xícara de café para começar outro dia qualquer.
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