BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - A imagem de enfermeiras com água até quase os joelhos retirando bebês de uma UTI neonatal em um hospital inundado na província de Buenos Aires, na Argentina, coroou uma semana de despedida do verão que tem sido descrita como "caos climático".
Em uma mesma porção do país a umidade foi vilã de dois problemas. No município de Bahía Blanca, levou a chuvas torrenciais que mataram pelo menos seis pessoas nesta sexta-feira (7). Na capital, Buenos Aires, fez a sensação térmica atingir o recorde de 47°C em meio a apagões.
Meteorologistas explicaram que uma massa de ar com muita umidade chegou a essa região. Na porção de Bahía Blanca, o encontro com uma frente fria levou à forte precipitação. Foram 300 milímetros em apenas cinco horas de uma chuva que começou antes do amanhecer e é descrita como de volume histórico -quase metade do que era previsto para o ano inteiro.
Já em Buenos Aires, a mesma massa de ar somou-se à tradicional umidade oriunda do rio da Prata que torna mais intensos os verões caracterizados pelas cada vez mais frequentes ondas de calor. O sistema elétrico, conhecido por suas falhas, apresentou recorrentes problemas no ápice da demanda, em grande medida gerada pelo uso frequente dos ares-condicionados.
As operadoras Edesur (controlada pela italiana Enel, também alvo de recentes críticas no Brasil e no Chile) e Edenor, as duas privatizadas nos anos 1990, dividem-se no fornecimento de serviço em Buenos Aires. Desde o início da semana milhares de usuários têm se queixado de cortes de luz que ultrapassam dez horas de duração.
O ápice do problema ocorreu na quarta-feira (5), quando com mais de 35°C um amplo corte deixou 620 mil usuários, ou mais de 2 milhões de pessoas, sem luz. Em canais públicos, as empresas repetem "desculpas aos usuários pelos inconvenientes". Também nesta sexta, diferentes pontos da capital estão no escuro, com 26 mil usuários afetados.
Durante a semana, a empresa controlada pela Enel disse que houve falhas nas linhas de alta tensão e que a demanda de energia chegou a 4.395 megawatts, muito próximo ao do recorde registrado, de 4.545.
Na noite de quinta-feira (6), um panelaço foi realizado em toda a região no entorno do Congresso da Argentina, onde os moradores estavam há mais de 8 horas seguidas sem luz no terceiro dia de cortes. A população reclama da comida estragada nas geladeiras e da dificuldade de locomoção para idosos. Nas ruas com semáforos sem funcionar, o trânsito se intensifica. Na quarta, a própria Casa Rosada, local de trabalho do presidente Javier Milei, chegou a ficar sem luz.
Os fenômenos climáticos extremos não são exceção, mas agora jogam luz também para o contexto político. Eles ocorrem justamente em um momento no qual o governo Milei reiteradamente dá sinais de que gostaria de abandonar o Acordo de Paris, de controle das emissões que aceleram o aquecimento global -algo que para Milei, aliás, não teria a ver com a ação humana, a despeito do que diz a ciência.
O cálculo político não é simples, dado que o acordo é fundamental para ao menos dois grupos de interesse dos argentinos, a União Europeia, com quem o Mercosul recém-terminou um acordo de livre-comércio, e a OCDE, o clube dos países ricos, que a Argentina quer integrar.
A situação, especialmente em Bahía Blanca, tem exigido a cooperação entre o governo federal, com as Forças Armadas, e a província de Buenos Aires em um momento de alta tensão. Há poucos dias Milei cobrou a renúncia do governador da província, o peronista Axel Kicillof, nome que desponta como presidenciável em 2027.
No município, as correntes de água nas ruas levantaram e viraram carros e seguiram em direção ao mar. O aeroporto local foi fechado, o transporte público, completamente suspenso, e a recomendação é não sair de casa. Um hospital público, o Penna, de onde foram removidos os bebês citados no início desta reportagem, colapsou.
Em 15 dias o país se despede de mais um verão intenso para dar boas-vindas ao outono enquanto ainda se recupera das sequelas do "caos climático". Já se adianta outra preocupação: se no verão as redes elétricas colapsam, no frio não é incomum que falte gás para abastecer algumas regiões argentinas, a despeito das enormes reservas nacionais.
No ano passado, o país chegou a recorrer de maneira urgente ao governo Lula para comprar gás da Petrobras. A esperança é que o gás de Vaca Muerta amenize essa situação.
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