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Que período é mais traumático para os colorados: os tempos atuais ou os anos 90?

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Por Virtual Rondônia em 24/07/2024 às 15:46:04
Eliminação para o Rosario Central soma-se ao imenso repertório de fracassos colorados nos últimos anos. Em meio à expectativa para o jogo contra o Rosario Central, uma expectativa mais preocupada do que realmente expectante, pois assim os últimos tempos recomendam, eis que surge misturada à fumaça dos churrasquinhos e sua privilegiada capacidade premonitória uma figura: Fabiano. Ponta-direita emblemático do Inter nos anos 90, certa vez pediu para não ser chamado de Fabiano Cachaça, apelido que a arquibancada lhe rendera e não parecia fazer tanto referência a possíveis exageros etílicos -- era mais uma distinção popular. Depois disso, ganhou a posteridade como Uh! Fabiano, forma como o Beira-Rio o saudava, mas entre sonhos de arrancadas febris e rivarolas capotando pelo campo todo colorado, secretamente, continua o chamando de Cachaça.

A imagem de Fabiano surgia de forma um tanto óbvia: seria ele o tipo de jogador necessário para remendar animicamente um time que parece sofrer de apatia crônica. Porque Fabiano era o exato oposto da melancolia: aquele naipe de pontas que deixava todo um anel de arquibancada em pé quando riscava com fogo a margem do campo. Certa vez, já com os joelhos meio arrebentados, estava no banco de reservas em um Gre-Nal, no começo dos anos 2000. Como o Inter perdia, foi chamado já na metade do segundo tempo, e a reação do estádio gremista foi de sincero desespero: na maior reverência possível, o Olímpico murchou em todos seus quadrantes, como se quisesse se liquefazer e depois escorrer aos pouquinhos pelo meio-fio da Azenha.

Acontece que muito Fabiano castigara o Grêmio nos anos 90 -- título gaúcho com ares de Libertadores sobre o time multicampeão e recital jamais repetido na impiedosa goleada de 5 a 2 na casa do rival. Em uma década de predominância tricolor, Fabiano conseguiu se tornar sinônimo de "Homem Gre-Nal". Minutos depois de entrar, com o que restava dos joelhos, filho astral de Garrincha, avançou até a linha de fundo e cruzou para o empate colorado. Também premonitório era o cimento dos antigos estádios.

Fabiano Inter 1997 Gre-Nal

Agência RBS

Mas são misteriosas as veredas por onde cambaleia o subconsciente, é o que diria algum Freud de Uruguaiana acordando na Ilha do Mel em plena Quarta-feira de Cinzas. A mítica figura de Fabiano surgira pairando sobre o crepitar dos salsichões também como estopim para deflagrar a questão mais urgente que hoje se ergue no aparentemente para sempre nebuloso horizonte colorado: afinal de contas, a época em que vivemos (e sobrevivemos) é mais dolorosa do que foram aqueles traumáticos anos 90?

É um tema sensível e crucial para a identidade colorada, discutido a cada nova eliminação preferencialmente nos fóruns e círculos recomendados -- bares que já amanhecem e redes sociais que nunca fecham. Para quem foi adolescente há trinta anos, é praticamente impossível equiparar qualquer época com o martírio noventista. Apesar da brevíssima e dissimulada Primavera Vermelha de 1992, o restante da década seria não de reversões de expectativas, mas de inexistência dessas expectativas: um dos maiores campeões nacionais, o Internacional se via relegado à condição de coadjuvante. A melhor das hipóteses era também a mais sofrida: quando avançavam oito times aos mata-matas, ficávamos em 9ª lugar pela ausência não de uma vitória, mas de um gol.

Nossas raras epopeias eram contadas sempre na versão dos derrotados, como na magnífica eliminação para o Cruzeiro após Leandro Guerreiro sofrer uma cãibra nas sinapses. E nem passaporte tínhamos, como dizia a flauta: o Inter ficou TREZE anos sem disputar a Libertadores. E, obviamente, havia a grama azul verdejante do rival íntimo e intransferível: parecia que o Grêmio disputava duas decisões por semana e vencia um título por mês durante os cento e trinta e sete anos que durou aquela década.

Não havia horizonte, e parte da torcida colorada já se resignava com o doutor destino e se conformava em servir como espécie de sacrifício: era preciso sofrer como nunca para pagar pela felicidade de quem conviveu com o supertime dos anos 1970. E nisso essas gerações se encontram, pois os adolescentes de hoje conhecem apenas a lenda de Fernandão, e talvez alguns já considerem que seu penar é uma forma de o universo equilibrar o que os noventistas, antes convictamente desenganados, acabariam por viver, até hoje meio sem acreditar: Rentería metamorfoseado em Saci, "Aí depois vem a Turma do Didi", avião sobrevoando o Beira-Rio, Abelão de bandana -- todo o karma que nos era devido, enfim.

Hoje, no entanto, mesmo os mais ferrenhos defensores do sofrimento noventista, nostalgistas do avesso, começam a titubear. É verdade que há atenuantes consideráveis, como são justamente os títulos vencidos pelo Inter nos anos 2000, até então inéditos (e cogitados apenas nos sonhos menos publicáveis). Se o fato de o time perfilar-se como candidato e não vencer há quinze anos é motivo de compreensível agonia, sobretudo pelos detalhes sórdidos e sádicos que costumam servir de obstáculo justamente quando tudo parece tão próximo (Copa do Brasil 2019, Brasileiro 2020, Libertadores 2023), este constante bater na trave parece ser o anúncio de alguma coisa -- qualquer coisa. Mas no começo dos descaminhos houve a ferida para sempre aberta do rebaixamento, que acabou com um dos mais simbólicos estandartes colorados, e depois disso, quando flertamos com a redenção, sempre surge a promissória do sacrifício -- o meio metro de Edenílson, o latifúndio de Papito Odair no meio-campo, os gols perdidos de Valencia.

(A situação é tão perturbadora que, quando o Inter enfim vencer, os colorados vão passar dois anos sofrendo de terrores noturnos tendo o VAR como gatilho dos piores sonhos -- um juiz maldito que veste smoking e segura um ancinho, com uma mão espalmada pra frente e a outra encostada no ouvido, esperando insistentemente o anúncio que será feito por Faustão em rede nacional, mas no telão do estádio aparece apenas Scarface repetindo "Fuck!", e no meio de tudo isso corremos pela praia do Cassino montados num dinossauro que começa a perder força, mas não há nenhum posto de gasolina por perto, mas no fim das contas é um Tiranossauro Rex ou um Vectra?, até o febril despertar, quando o apito do juiz finalmente se transforma no som do alarme do celular.)

Nesta discussão, ainda não há argumentos definitivos. Ou, mais dramático, há justamente muitos argumentos definitivos de ambos os lados. Mas o que é possível de afirmar, sem hesitar, é que a geração que hoje reivindica para si o período de maior desespero colorado merecia ver em campo, por um jogo que fosse, Uh! Fabiano em desabalada carreira, como num sonho transformando laterais-esquerdos em pinos de boliche derrubados, enquanto o Beira-Rio se erguia esquecendo de todas as desventuras para uma noite catártica de orgulho intacto, cantando com Fafá de Belém, para o mundo ouvir, que de vermelho (ainda e cada vez mais) vivia o coração.

Na reinauguração do Beira-Rio, há um depoimento em que Fabiano chora e pede desculpas aos colorados por não ter vencido mais que um Gauchão. Espero que, assim como continuamos pensando nele como Fabiano Cachaça, ao recorrer ao seu legado nos momentos mais dramáticos, também secretamente ele saiba que nos deu muito mais: enquanto levava a 7 às costas, segurou dez anos de nossas vidas no braço.

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Fonte: Ge

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