Anos após veto de ex-governador a proposição aprovada na assembleia, duas ideias de lei tramitam com apoio de clubes e também da Federação Paulista de Futebol Deputados estaduais de São Paulo iniciaram no ano passado uma nova ofensiva pela liberação da venda de bebida alcoólicas em estádios e outras arenas esportivas no estado. Dois projetos de lei, muito semelhantes, estão em tramitação na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).
Os dois preveem a autorização de venda de bebidas com teor alcoólico moderado, até 14% e 15%. Um deles, de autoria dos deputados Guto Zacarias (União) e Lucas Bove (PL) restringe a comercialização a estádios que tenham sistema de monitoramento por câmeras.
Torcida única em clássicos completa sete anos no estado de São Paulo
O que está em tramitação mais adiantada é outro, dos deputados Delegado Olim (PP) – que também preside o TJD (Tribunal de Justiça Desportiva) de São Paulo –, Itamar Borges (MDB) e Dani Alonso (PL).
Esse projeto já foi distribuído para a Comissão de Constituição, Justiça e Redação e recebeu parecer favorável do relator, Caio França (PSB).
A venda de bebida alcoólicas está proibida em São Paulo desde 1996 por uma lei aprovada ainda sob a comoção da batalha entre as torcidas do São Paulo e do Palmeiras em um jogo da Supercopa de Futebol Júnior, no Pacaembu, em que um garoto de 16 anos foi morto dentro do estádio.
Desde então, diversos estados que também aplicavam a proibição passaram a permitir a venda controlada das bebidas, como Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro.
Bebidas à venda por ambulantes em local próximo ao estádio do Corinthians
Marcos Ribolli
Durante a realização da Copa do Mundo de 2014, graças a uma legislação específica e sob pressão da Fifa, foram vendidas cervejas nos estádios, inclusive naqueles de estados onde há proibição local.
– O Brasil inteiro vende, o STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu que projetos do tipo são constitucionais – afirmou Olim, que em sua proposição anexou uma carta da Federação Paulista de Futebol e assinada por presidentes de clubes das três principais divisões do estado em defesa da liberação da venda de bebidas alcoólicas.
A legislação atual veta o comércio de bebidas não só dentro, mas num raio de 200 metros do estádio onde acontece o evento. Quem vai a jogos de futebol em São Paulo, porém, sabe que essa restrição não é respeitada.
É comum a presença de ambulantes vendendo cervejas e outras bebidas de teor alcóolico mais alto nas portas dos estádios – em latas e garrafas de vidro, que são expressamente proibidas pela lei.
No ano passado, uma torcedora do Palmeiras morreu a metros do Allianz Parque ao ter sua garganta cortada pelo vidro de uma garrafa de cerveja atirada por um flamenguista.
Recentemente, a reportagem do ge flagrou a venda de cerveja com álcool dentro do estádio de um clube da quarta divisão paulista – a bebida era acondicionada e servida atrás de tapumes a torcedores quem pediam a "cerveja especial". A fiscalização era inexistente.
– Fui a um jogo do Botafogo em Ribeirão Preto, e o estádio estava vazio, todo mundo bebendo lá fora. Depois, em cima da hora, encheu o estádio. Prefeitos estão pedindo (pela aprovação) – completou Olim.
A carta da FPF, que foi endereçada ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e ao presidente da Alesp, André do Prado (PL), cita aumento de receitas a clubes e Estado, estímulo ao comércio, à criação de empregos e ao turismo como argumentos para que a proposta seja analisada.
– O futebol é um evento, é lazer. Assim como acontece na grande maioria dos estádios do Brasil e do mundo, a cerveja é permitida. Nós temos, na porta dos estádios, bares e ambulantes vendendo todas as bebidas alcoólicas. Mas o torcedor anda dez metros, entra no estádio e não pode mais nada – declarou o presidente da FPF, Reinaldo Carneiro Bastos, ao ge.
– É muito mais saudável e seguro que o torcedor beba dentro do estádio, que chegue mais cedo. O futebol fica mais seguro. É lamentável que o futebol seja o único evento de lazer em São Paulo em que a venda de cerveja é proibida – completou o dirigente.
Ambulantes vendem cerveja em rua que dá acesso ao estádio do Canindé, em São Paulo
Marcos Ribolli
Em 2019, projeto de mesmo teor foi aprovado na Alesp, mas acabou vetado pelo governador em exercício, Rodrigo Garcia, então vice de João Dória. A justificativa foi de que a proposição conflitava com o Estatuto do Torcedor.
– Vou levar o Tarcísio para almoçar na FPF com os presidentes dos clubes. Eu duvido que ele vete – afirmou Olim, que diz contar com o apoio de bancadas de oposição, como a do PT, e vê a PM como principal barreira à aprovação da lei – os policiais relacionam o consumo de bebida alcoólica ao aumento de casos de violência em estádios.
Há cinco anos, o Ministério Público de São Paulo publicou nota técnica em que argumentava contra o projeto e pela manutenção total do veto do governador.
Membro da Comissão Permanente de Combate à Violência nos Estádios de Futebol do MP paulista, o procurador Paulo Castilho disse que o grupo ainda não se debruçou sobre esse tópico:
– É um tema bastante sensível. Discutimos sobre isso, mas de passagem. Entretanto, até o momento, não foi pauta – afirmou.
Estádio do Morumbi
Marcos Riboli
O Ministério Público tem tido papel relevante em decisões do tipo em São Paulo.
A promotoria é quem renova, ano a ano, a orientação para que os clássicos no estado sejam realizados sem a presença de torcedores visitantes nos estádios. Além disso, recorreu e derrubou uma decisão da Justiça que permitia a entrada de bandeiras de mastro nas arenas paulistas.
Segundo membros do MP ouvidos pela reportagem, o órgão não prevê recuos nessas questões. E pode ser uma barreira para a venda de bebidas alcoólicas em jogos de futebol.