Sem série nacional e na segunda divisão do Rio, time disputa pela primeira vez a Copa do Brasil, encara o São Bernardo e deixa o campo aplaudido de olho no futuro Desde muito cedo, a Rua Bariri se movimentou para receber um jogo da Copa do Brasil na tarde de quarta-feira. Um dia normal em um clube social do subúrbio, com suas piscinas recebendo sócios e o bar cheio de pessoas interessadas no prato principal do dia: Olaria x São Bernardo. Perder o jogo por 1 a 0, com um gol nos minutos finais, pôs fim a um sonho, mas mostrou a força de uma camisa em busca do resgate de sua tradição. A classificação para a segunda fase viria apenas em caso de vitória.
Sidney, do Olaria, elogia comportamento da torcida contra o São Bernardo
Foi a primeira vez do clube na competição. O Olaria sequer está em alguma série nacional e disputa a segunda divisão do Rio de Janeiro. Mesmo assim, o orgulho suburbano faz com que seja possível encarar quem, na teoria, se coloca hoje em uma prateleira acima no futebol.
O São Bernardo disputou a Série C em 2023 e, por pouco, não subiu para Série B. No Campeonato Paulista, já encarou os grandes de igual para igual, brigando por uma vaga nas quartas de final da competição.
Olaria x São Bernardo, Copa do Brasil
Gabriel Goto
Esse cenário poderia até desanimar. Mas o bairro se mobilizou. O clube antes sem perspectiva criou a ilusão de dias melhores com duas boas campanhas seguidas na segunda divisão do Rio. No ano passado, perdeu a final para o Sampaio Corrêa-RJ. A ideia de quem hoje gere o futebol é dar passos lentos, mas seguros, tanto que escolheram jogar a Copa do Brasil e não a Série D. Até então, eram 20 anos fora do cenário nacional.
- Estamos em um processo que está hoje em 60%, 70%. Se jogássemos a Série D, a nós atropelaríamos esse processo. O clube também tem uma importância social. A gente está aqui todos os dias. O futebol é o coração do clube, mas com a divulgação também vem o aumento dos sócios. Esse bom trabalho de administração teve um ganho - disse Fernando Santos, executivo de futebol do clube, que está sob o comando de Ricardo Gonzaga, dono da Ric's Estrela.
Diogo Marques e Felipe Ferreira em Olaria x São Bernardo
Thales Soares
O Olaria saiu de 400 sócios pagantes em 2020 para 2.500 em 2024, segundo a diretoria do clube. Essa presença maciça fez o clube conseguir se reestruturar, evitando inclusive o leilão do estádio que recebeu o jogo desta quarta-feira. São dívidas trabalhistas que se acumularam e estão sendo ajustadas.
- Estou muito feliz. Coincidiu de eu estar de férias. Passei o carnaval em Recife com minha mãe e vim para o Rio de Janeiro ficar com meu pai, que mora aqui em Olaria. Eu fui criado aqui, sempre gostei de acompanhar. Estava em Portugal e assisti pela internet a final da segunda divisão - afirmou Felipe Ferreira, de 26 anos, engenheiro eletrônico, que mora no Porto e também é torcedor do Fluminense
No futebol, o investimento ainda é baixo. A folha salarial hoje é de R$ 185 mil mensais. No campo, os jogadores se desdobraram para equilibrar o jogo com o São Bernardo e até conseguir criar oportunidades de sair em vantagem. Não deu, mas a torcida mostrou sua força. Pressionou, mesmo limitada com um setor da arquibancada interditado pelos bombeiros por problemas estruturais.
Setor interditado da arquibancada da Rua Bariri
Letícia Marques
Pressionou a arbitragem e os jogadores adversários, reclamou de seus jogadores e da demora das substituições. Se escorou no alambrado atrás do banco de reservas do São Bernardo, principalmente no momento da expulsão de Rosales já na reta final do jogo. Uma irritação acumulada pela reclamação de um pênalti não marcado sobre Gustavo.
Olaria pede pênalti contra o São Bernardo; veja lance
- Estava um tempo fora do Rio, tive a oportunidade de voltar agora e jogar com casa cheia, com minha família aqui. (A torcida) Tem uma galera jovem que torce de verdade, foi bom demais correr por eles. Por pequenos percalços não conseguimos nosso objetivo - disse Sidney, de 36 anos, que voltou a jogar no Rio depois de oito anos.
Veja a confusão em Olaria x São Bernardo depois de uma expulsão
No fim, a arbitragem ainda sentiu a irritação da torcida nas sociais, onde fica o vestiário. O quarteto saiu escoltado por policiais militares, mas ouviram todos os xingamentos possíveis. No fim, apenas a certeza de que a Rua Bariri ainda pulsa e vai ser capaz de ajudar o Olaria a se reerguer.
- Comecei e encerrei a carreira aqui (na Bariri). Fico feliz por ver o Olaria jogando uma competição nacional novamente, espero que consiga fazer um bom campeonato na segunda divisão e que ano que vem possa estar na primeira, lugar que sempre mereceu estar. Com torcida é sempre legal. Hoje, estava cheio. Quando a torcida acredita, os jogadores se doam mais, estava igual e uma expulsão mudou o jogo. Espero que tenha mais sorte da próxima vez - disse Antônio Carlos.
Antônio Carlos, ex-Botafogo, Fluminense e São Paulo, prestigia Olaria, seu último clube
Esse ano, o Olaria ainda terá a Copa Rio e a segunda divisão pela frente, tendo a chance novamente de conquistar vaga para Copa do Brasil de 2025 e uma vaga na elite do futebol carioca. Sempre com o respeito, inclusive, dos adversários.
Kayke, do São Bernardo, fala sobre voltar a jogar na Rua Bariri
- Tive a oportunidade de jogar base muitos anos no Flamengo em todos esses estádios do Rio. Vivi minha infância nesses estádios. Muitos jogos e gols aqui. Sempre fui feliz quando vinha para cá. Brinquei que estava em casa e sempre fazia gol. Jogo bem difícil. Olaria dificultou muito a nossa classificação. Fiquei feliz pela torcida (do Olaria), pessoal do bairro, que faz essa força. A maioria deve torcer para os grandes e o Olaria também. Mas os clubes do Rio precisam resgatar isso e voltar ao grande cenário - disse Kayke, autor do gol do São Bernardo, de 35 anos.
Olaria 0 X 1 São Bernardo | Gol | Copa do Brasil 2024