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Abel Ferreira vai a favela e vira embaixador de bibliotecas comunitárias: "Transformação"

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Por Virtual Rondônia em 18/12/2023 às 11:15:32
Multicampeão pelo Palmeiras, treinador português visita espaço na periferia de Santo André e exalta importância da leitura: "Se cheguei até aqui, foi por ler e estudar" – Às vezes, as pessoas se aproximam de mim e tremem. Mas a minha contribuição pra sociedade, na minha opinião, não tem o mesmo valor que tem a tua. Tu podes conseguir transformar a vida de cada um destes moleques. O máximo que eu posso conseguir é dar alegria às pessoas.

Em uma sala pequena e abarrotada de crianças, adolescentes e adultos que estão ali motivados a ver de perto o homem que coleciona troféus no futebol brasileiro, Abel Ferreira dirige estas palavras a Gabriel Macedo. Sentado no chão e vestindo uma camisa do Palmeiras, Gabriel lê um livro infantil para as crianças. É isso que ele faz, de forma voluntária, sempre que pode. Ele é mediador, um contador de histórias na biblioteca comunitária da Favela dos Eucaliptos, região do Cata Preta, periferia de Santo André, na grande São Paulo.

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Abel Ferreira visita biblioteca comunitária em Santo André, São Paulo

Naquela manhã, o treinador do Palmeiras somou mais um título ao seu vasto currículo, o de Embaixador da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC), um projeto que existe há 17 anos e reúne atualmente 132 bibliotecas comunitárias pelo Brasil. Espaços que surgem voluntariamente em bairros e cidades onde em geral são poucas as opções de atividades culturais. Bibliotecas que se formam em garagens, borracharias, fundos de escolas e até cemitérios. E que levam muito mais do que palavras e histórias.

– Eu gostei muito do lema que eles têm aqui, que é "Comida no prato, livro na mão e bola no pé". Muitas vezes, não valorizamos isso porque nós vivemos numa bolha. Não pensamos que há que não tenha comida no prato. É mais que uma biblioteca. É um espaço de reunião, de liberdade, um espaço onde os pais podem deixar seus filhos para irem trabalhar. E sabendo que eles terão acesso à comida, além dos livros. É fundamental isso – reforça Abel.

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Abel Ferreira, do Palmeiras, vira embaixador de rede de bibliotecas comunitárias

Thiago Macedo

A relação de Abel Ferreira com a literatura vem de muito antes de que ele e sua comissão técnica lançassem, no começo de 2022, o livro "Cabeça Fria, Coração Quente", onde revelam as táticas e os bastidores do trabalho no Palmeiras. O primeiro e mais importante livro a atrair o técnico bicampeão brasileiro foi "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry.

– Porque ele traz a coisa mais simples do mundo, que é tu cativares o outro. Não precisas de nada, não precisas de dinheiro... É algo que não se vê, tu sentes.

Abel não tem dúvidas em afirmar que a leitura mudou sua vida, enquanto ele ainda apenas sonhava em ser jogador de futebol em Portugal.

– Eu tinha vergonha de falar em público, de ler em frente aos meus colegas quando eu estava na escola. E toda minha vida foi uma transformação até eu chegar ao que eu sou hoje. Eu já era jogador de futebol e conciliava com os estudos. Tirei minha licenciatura em Educação Física enquanto jogava no Vitória de Guimarães. Se eu cheguei até aqui, com todos os medos e as inseguranças, foi por ler, por estudar, por estar sempre à procura do que fazem os melhores.

O ídolo do ídolo

Horas antes da chegada de Abel à Favela dos Eucaliptos, Gabriel já estava ansioso para encontrar um de seus ídolos. Encontrar o treinador era um grande sonho. O que ele não esperava era ser surpreendido pelo português. Assim que se encontraram, Abel Ferreira disse a Gabriel: "eu já ouvi sua história".

Isso porque a história do fã de Abel Ferreira extrapolou os limites da Favela dos Eucaliptos. Ele também se tornou uma espécie de ídolo, uma referência para a comunidade onde vive. Gabriel Macedo é artista. Ele pinta quadros, escreve poesias e também é fotógrafo. Além de tudo, é um exemplo concreto do poder transformador de projetos como o da biblioteca comunitária. O rapaz de 20 anos chegou à universidade, onde estuda, não por coincidência, Biblioteconomia.

– Eu sei que eu sou uma inspiração. É triste ver meninos e meninas que eu vi crescer se perdendo nas drogas ou no crime. Eu acabo sendo diferente por ter entrado numa universidade, por ler, por desenhar, por gostar de cultura. Aqui, a comunidade faz cultura. E eu consegui sair daqui e levar a história do Eucaliptos para outros lugares.

Abel Ferreira, do Palmeiras, vira embaixador de rede de bibliotecas comunitárias

Thiago Macedo

A gente não quer só comida

– Como eu posso fazer um projeto de biblioteca comunitária, se eu tenho pessoas sem esgoto, sem energia, sem infraestrutura de nada?

Lançada no ar, a pergunta de Adauto Faria da Silva faz pensar. Mas, diante dela, ele fez mais do que pensar. Ele tinha a resposta: era preciso estruturar o local.

Em 2010, ele havia migrado do Pará para São Paulo com o objetivo de concluir a faculdade de Engenharia de Automação e, por caminhos da vida, foi morar na Favela dos Eucaliptos.

– Sempre morei em locais bons, tinha salários ótimos e não me via morando dentro de uma favela um dia. Eu olhava as favelas de fora pra dentro com olhar discriminatório. E, de repente, me deparei olhando de dentro pra fora e sendo discriminado por morar numa favela. Comecei a ter indignação pelo abandono público. Um lugar insalubre, onde você tinha esgoto a céu aberto, energia improvisada.

A indignação de Adauto o levou a brigar por melhorias, acionando insistentemente as autoridades responsáveis pela pavimentação, pelo saneamento básico, pela energia elétrica. E ele, que nunca havia se imaginado morando na favela, se tornou um líder comunitário respeitado para as 1.250 famílias que vivem hoje no Eucaliptos.

Abel Ferreira, do Palmeiras, vira embaixador de rede de bibliotecas comunitárias

Thiago Macedo

E é aí que entra mais uma personagem fundamental para levar cultura à Favela dos Eucaliptos: Marilena Nakano, membro da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias. Foi para ela que Adauto perguntou como pensar numa biblioteca comunitária em um lugar onde as pessoas não tinham sequer esgoto e energia elétrica. Isso foi em 2017.

– Quando a gente subiu aqui pela primeira vez, não havia calçamento. Era tudo barro. O desafio era introduzir a ideia de que todo mundo tinha tanto direito à literatura quanto a uma moradia decente. Alimentar o corpo e alimentar a alma – conta a pequena senhora descendente de orientais, que sobe e desce as vielas escorregadias com impressionante agilidade.

– A gente está na 14ª cidade mais rica do país, com o 14º IDH (índice de desenvolvimento humano) mais alto do Brasil. Situações como essa são inadmissíveis – completa Marilena.

Marilena explica que a biblioteca comunitária faz parte da construção de uma ideia de cidadania para as pessoas do local, mostrando que a literatura também é um direito de todos.

– A gente não tem nenhuma intenção de trazer a verdade pra eles. Não somos nós que vamos transformar o mundo. A gente considera que, à medida em que discutam, tenham acesso a livros, à leitura, à literatura, eles mesmos sejam capazes de mudar situações como essa junto ao poder público.

Livro na mão, bola no pé

A aproximação entre a Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias e o técnico Abel Ferreira surgiu meses após a publicação do livro "Cabeça Fria, Coração Quente". O treinador se mostrou disposto a participar de ações em prol da leitura no Brasil e, pelo lado da RNBC, ter um personagem tão conhecido do futebol brasileiro parecia uma excelente maneira de estreitar o laço entre comunidade e cultura.

– Havia uma empatia. O Abel não é qualquer técnico. E eu não queria mostrar o lado dele de técnico de futebol. E, sim, o lado de escritor, de quem se preocupa que as pessoas leiam. Ele é um embaixador da defesa do livro, do direito de todos à literatura, à leitura. E também porque o futebol é muito forte em todas as comunidades, né!? Não é à toa que, do lado da biblioteca, tem um campinho de futebol – explica Marilena.

– O projeto da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias era aquilo que eu já estava a pensar havia um tempo. E, se eu posso ajudar de alguma maneira, vou tornar o projeto público para quem, como eu, possa ajudar não apenas na doação de livros, mas também com recursos e alimentos, por exemplo – resume Abel, que também doou exemplares de seu livro à RNBC.

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Histórias de vida

Juvenildo Santos de Moura, conhecido por todos os moradores do Eucaliptos como Juvena, é coordenador da biblioteca comunitária e também um dos mediadores responsáveis pela contação de histórias para as crianças.

– A história que eu mais gosto de contar é a história de vida. Eu falo pra eles: "olha, eu vou contar uma história de vida, da minha infância, do que eu vivi..". E aí eu peço pra eles contarem pra mim as histórias de vida deles. E isso faz o despertar pra gente começar a história do livro – explica Juvena.

Corintiano, ele comemora a visita do técnico do rival.

– Trazer uma pessoa da figura do Abel Ferreira pra falar pra nós, pra falar com as crianças, deixa pra gente um gostinho de vitória. Como dizem por aí: a favela venceu! Olha isso ao meu redor... Saber que uma criança tem coragem pra abrir um livro que desperta sua curiosidade é a nossa vitória. A vitória somos nós. Ser mediador de leitura é isso... E ter o Abel aqui faz até corintiano torcer um pouquinho pro Palmeiras. Ele veio de outro país e trouxe uma alegria pro nosso país. E o Brasil é essa casa acolhedora, que recebe todo mundo de braços abertos.

Para conhecer as bibliotecas que fazem parte da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias e fazer doações, acesse o site https://rnbc.org.br/.

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Fonte: Ge

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