Num Brasileirão onde o improvável acontece, faz-se ainda mais necessário contar com treinadores verdadeiramente capazes de mudar o jogo Numa reta final de campeonato onde nenhum time tem conseguido manter a regularidade no desempenho por muito tempo, é quase impossível prever o campeão. Não é só a história do Brasileirão 23 que é peculiar, mas o roteiro de cada jogo traz aquele elemento maravilhoso do futebol: a realização do improvável. Enquanto os acontecimentos dos jogos brincam com o sentimento do torcedor, na beira do campo, os treinadores tentam ao máximo controlar as ações da partida, quebrando a cabeça para reverter placares, corrigir deficiências de elenco e gerenciar a confiança do seu grupo em meio a tantas reviravoltas. Eles são os maiores merecedores de destaques até aqui.
Tite orienta a equipe do Flamengo contra o Fluminense
André Durão
Quem está na parte de cima da tabela, assim como quem luta pra não cair contam com grandes treinadores. A começar pelo líder, o Palmeiras se reinventa em Abel Ferreira por quantas vezes forem necessárias, a fim de ser vencedor. Depois da queda na Libertadores e jogar mal no Brasileirão, Abel mudou o esquema, colocou no banco bons jogadores em má-fase, encontrou um caminho e assumiu a liderança. Agora é só manter, certo?
Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, no jogo contra o Fortaleza
Cesar Greco / Palmeiras
Bem, nada é certo neste campeonato. Contra o Fortaleza, perdendo o jogo, Abel substituiu Richard Rios e Marcos Rocha, colocando Arthur e Rony, ficando com 4 atacantes e um volante, ainda que recuasse Raphael Veiga em alguns momentos. O Palmeiras perdia por 1 a 0 e logo depois desta mudança, teve o zagueiro Gustavo Gomez expulso. Hora de fechar a casinha? Que é isso! Vanderlan entrou na parada e virou um ponta pela esquerda, num Palmeiras, com um a menos, que fazia uma saída de 3. O time de Abel buscou o empate, sofreu e terminou com um 2 a 2 fora de casa. Mais um episódio de um Palmeiras forjado na perseverança.
Abel para melhor treinador do campeonato? Pera lá. Tem mais gente na fila.
O Flamengo, que jogou mal durante quase todo o ano, trouxe Tite, o excelente! Rapidamente deu uma resposta. Grande como ele é, foi capaz de fazer as mudanças que o time precisava, a fim de dar mais organização e capacidade de combate na hora de marcar. Mudou os pontas, segurou os laterais, inverteu a lógica de jogo - primeiro ser consistente na defesa para depois criar -, e transformou o futebol do Flamengo. Cebolinha, por exemplo, um jogador que havia perdido seu prestígio no Mengão, é o grande destaque desta retomada, fazendo o treinador realocar o ótimo Bruno Henrique para a ponta direita.
As mudanças de Tite, ainda que um pouco previsíveis, eram dificílimas de serem colocadas em prática. É preciso ser muito convincente e respeitado para fazer o que ele tinha que fazer. Agora o Flamengo chegou e está jogando futebol de quem quer e pode ser campeão.
É o ex-treinador da Seleção Brasileira, não tem erro. Pois é, Felipão também é.
O pentacampeão do Mundo - porque esta deveria ser a lembrança mais forte quando falamos dele - consertou um Atlético fazendo o impensável para aquele elenco: moldou um time mais contido em campo. Cauteloso e conservador, também priorizou a fase defensiva até o time encontrar um equilíbrio, e depois de ficar 9 jogos sem vencer, o Atlético Mineiro é o líder do returno, com 69% de aproveitamento, tendo 10 vitórias e 3 empates em 16 jogos. O processo não foi simples e em alguns momentos até criticado pela torcida que sonhava em ver seu time jogando um futebol ofensivo e envolvente. Felipão fez o que sua experiência mostrava que deveria fazer para encontrar um caminho vencedor. Na 35ª rodada, vence o Grêmio com sobras e é o quarto colocado, a 3 pontos do líder.
Felipão, técnico do Atlético-MG
Gilson Lobo/AGIF
Os cumpridores de missões quase impossíveis não param por aí. Ainda tem Pedro Caixinha, que faz um trabalho incrível no Red Bull Bragantino. Mesmo que o Braga tenha caído de produção nas últimas rodadas, é um time que joga o ano inteiro em alta intensidade, com um padrão de jogo sólido e que sustenta sua proposta por 90 minutos. Todos os jogadores mostram ciência do seu papel em campo, e mesmo quem vem do banco sabe exatamente o que deve fazer. É reflexo de um comandante capaz.
Ainda tem Renato, com um elenco limitado e distante do perfil que o futebol das cabeças exige - que é de muita entrega física além da técnica - vai colocando o Grêmio na Libertadores, logo depois de sair da Série B. Renato tem nas mãos um grupo mediano que se superou em muitos jogos, chegando a ambicionar a taça. Ainda que ele tenha sua parcela de responsabilidade em algumas escolhas que não foram tão acertadas, é um nome que salva o Grêmio, carente de um projeto sólido de futebol, há alguns anos.
Num campeonato de estrelas como Suárez, Arrascaeta, Hulk, Tiquinho Soares, Endrick e mais outros tantos, são os treinadores que têm brilhado muito, não só na parte de cima da tabela, como também lá embaixo: Marcelo Fernandes, Rogério Ceni e Ramon Diaz fazem excelentes trabalhos, com missões heroicas. Esse é um campeonato que tem exigido dos treinadores estratégia, capacidade de leitura de jogo e domínio de grupo, muito mais do que, por si só, a qualidade técnica dos jogadores, ainda que ela faça bastante diferença. Porque num cenário de tanto equilíbrio, cada decisão da beira do campo faz a diferença.