Um tempo em que se entendia o valor de vencer, porque se sabia a dor de perder. Era um tempo em que o Brasil propagava amizade, alegria e esperança Roberto virou Dinamite em novembro de 1971, quando o presidente era Emilio Garrastazu Médici e o Brasil respirava os anos de chumbo. Amadureceu e foi campeão brasileiro ainda no ápice da ditadura, mas os duelos contra o Flamengo de Zico, e os abraços mais marcantes, são os do início da década de 1980.
Mesmo que o presidente fosse o derradeiro general Figueiredo, 1981 havia mais esperança.
As decisões Zico x Roberto, em Flamengo x Vasco, começam em 1974, com o rubro-negro campeão carioca num 0 x 0 diante de 165 mil espectadores. Mas auge da rivalidade amiga, da fraternidade adversa, acontece no início dos anos 1980. Quando Barão Vermelho, de Cazuza e Frejat, Paralamas e Lulu Santos desfilavam talento no Circo Voador, enquanto Vasco e Flamengo lotavam o Maracanã.
Zico vestiu a camisa do Vasco na despedida de Roberto Dinamite em 1993
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Maestro Júnior conta a história de uma reunião na choperia Barril 2000, em Ipanema, depois de o Flamengo perder o título carioca para o Vasco, em 1977. O time de Roberto e da Barreira do Inferno -- defesa formada por Mazarópi, Orlando, Abel, Geraldo e Marco Antônio -- não tomou nenhum gol no segundo turno, empatou por 0 x 0 na decisão do returno e ganhou nos pênaltis, com cobrança desperdiçada por Tita, do Flamengo.
Havia 152 mil espectadores no Maraca. Uma parte deles espantava-se com o elenco rubro-negro tomando chope depois da derrota. Não havia festa. Estavam lavando roupa suja, para não perder mais.
Depois daquela dor, o Flamengo foi tri em 1978, 1979 e 1979 Especial, ganhando o primeiro troféu contra o Vasco, gol de Rondinelli, aos 42 da segunda etapa, diante de 152 mil pagantes.
O Flamengo perdeu o tetra em 1980, com gol de Anapolina, do Serrano, voltou a vencer contra o Vasco em 1981 (161 mil!!!) e perdeu do Vasco no ano seguinte. Roberto conduziu os cruzmaltinos à vitória sobre os campeões brasileiros e mundiais.
Roberto nunca fechou a cara, em desagravo. Nem Zico, que seguiu seu amigo-irmão por toda a vida. Ainda voltaram a se enfrentar na decisão de 1987, 1 x 0 para o Vasco, gol de Tita, passe de Roberto, já com Romário participando da jogada.
Depois de perder, você acha que Zico foi para a frente do quartel cantar o hino nacional e pedir a revogação do resultado?
Que nada! Seis anos depois, vestiu a camisa vascaína e posou para a foto ao lado de Roberto, cuja morte chora nesta segunda-feira, do mais pálido dos verões brasileiros.
O verão da invasão dos Três Poderes, de gente burra furando um painel de Di Cavalcanti.
O maior déficit do Brasil é o da educação, da falta de cultura. É o que produz a estupidez de quem não sabe quem é o gênio do modernismo. Muito menos que sua obra não é patrimônio do governo, mas símbolo da riqueza de um povo que ria, cantava, perdia e chorava, sempre com a certeza de que podia sorrir no dia seguinte.
Este país é o que precisa ser reconstruído.
Hoje, Zico sente a perda do amigo e o Brasil chora por não estar mais num tempo em que seus ídolos, mesmo de torcidas rivais, respeitavam-se e abraçavam-se. Zico e Roberto.