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Esporte

A conquista da Copa é argentina, mas reflete em todo o continente sul-americano


A Argentina espelha o seu (e o nosso) continente. As diferenças que temos apenas acentuam as nossas semelhanças. Ao observar as imagens de Buenos Aires absolutamente em combustão para receber os campeões -- e das províncias argentinas festejando o título e esperando os jogadores que voltavam às origens -- é impossível não imaginar que a própria Copa do Mundo (talvez o troféu, mesmo) está contente de voltar para um lugar em que é venerada dessa maneira. Talvez isso tenha se expressado de maneira até física -- uma dilatação mínima na estrutura de metal ou um rasgo de brilho até então inédito, que inédito vai continuar porque nenhum argentino está em condições de prestar atenção nesse tipo de coisa.

Sob a condução técnica de Lionel Messi e a supervisão cósmica de Diego Maradona, a Copa do Mundo é dos argentinos. É algo que entrará para a história, pois já estava escrito há dois (mil) anos. Mas é inegável que a conquista reverbera com força no resto do continente. Queiram ou não os argentinos. Queiram ou não os brasileiros. Queiram ou não os surinameses. Em aspectos geográficos, obviamente o Mundial volta para seu berço, para su cuna -- foi aqui onde nasceu, aqui está o seu primeiro campeão (e agora também o último) e o seu maior vencedor.

Mas, sobretudo, volta pra casa animicamente, envolto em pranto e êxtase -- a única forma como os sul-americanos sabem se relacionar com o futebol. É aqui que a Copa do Mundo se veste de comoção popular, como se fosse uma mistura de arrebatamento coletivo e evento político capaz de redefinir os rumos de um país. E talvez seja. Apenas quem tem um toco de cortiça no lugar do coração não se emociona com a monumental mobilização popular dos argentinos. No país onde toda emoção é superlativa, a conquista do Mundial é o desafogo e a resposta para várias questões fundamentais -- a despedida a Maradona e a aguardada assunção de Messi, que agora tem o mesmo tamanho que Diego nos murais espalhados pelos bairros, o verdadeiro altar dos ídolos pátrios, mas também as crises econômicas, a umidade que sufoca, a erva-mate que na verdade vem do Uruguai, os garcas do FMI, os arranha-céus que eliminam os potreros, o preço do assado de tira, a distância até as praias de Santa Catarina. Apenas a Copa do Mundo podia resolver, ou ao menos redimensionar, todos esses problemas aparentemente insolúveis.

A Argentina, não poderia ser diferente, espelha o seu (e o nosso) continente. As diferenças que temos apenas acentuam as nossas semelhanças. A conquista da Copa do Mundo devolve protagonismo à América do Sul no futebol de seleções em um momento em que, apesar de ocasionais ondas de otimismo, já nos julgávamos condenados a um longo ostracismo. Encerra-se, assim, o maior período de jejum dos sul-americanos em Mundiais, quatro edições -- igualado em tempo ao intervalo entre os títulos uruguaios de 1930 e 1950, mas com a ressalva de que não houve Copa em 1942 e 1946, devido à Segunda Guerra.

Messi mostra a taça da Copa para os torcedores que lotam as ruas de Buenos Aires

REUTERS

O tricampeonato argentino faz com que a América do Sul volte a ser vista com o respeito que a história lhe autoriza a reivindicar. É importante ressaltar que a equipe de Scaloni, a despeito de muitas seleções, jogou de uma maneira bastante fiel ao que se poderia se chamar de "escola argentina": futebol picado, de toque curto e drible, estreitando o campo e achando espaços. Em muitos aspectos, o campeão do mundo jogou um futebol sul-americano, mostrando que não é preciso abdicar da própria identidade para se obter resultado.

A conquista que ainda faz tremer o país vizinho, mas reverbera além de suas fronteiras, também é uma resposta contundente ao eurocentrismo que procura apagar a herança (técnica e cultural) dos jogadores que saem desse lado do Atlântico, como se fossem se tornar mais evoluídos pelo simples fato de vestir a camisa do Albacete. Uma vitória desse calibre vestindo a camisa da seleção nacional devolve como um tijolaço no peito a brutal evidência: antes de ser jogador do Manchester City, o jovem Julián Álvarez teve seu talento lapidado no River Plate; antes de comemorar com a camisa do Real Madrid e outros grandes europeus, Angel Di María é torcedor do Rosário Central; até mesmo, vejam só, Lionel Messi nunca deixou de ser fundamentalmente argentino, como prova a naturalidade com que lhe desce o fernet em garrafa pet.

Por mais dominante que seja a avalanche de ligas europeias e as camisas alienígenas que correm em nossa televisão, esse é o aspecto fundamental que não se se desvirtua, que o triunfo argentino reforça e comunica com megafone que ecoa sobre a Cordilheira: os sul-americanos não inventaram o futebol, mas o contrário procede. Com a sua própria identidade, suas maravilhas e suas misérias, personalidade difusa e fronteiras invisíveis, a América do Sul é uma espécie de conceito criado, ornamentado e idealizado pelo próprio futebol.

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