Brasileiro que superou Messi e mobilizou a internet em 2015 agradece carinho de brasileiros em eleição histórica Wendell Lira lembra gol vencedor do Puskás de 2015: "Bombardeio de sentimentos"
Davi x Golias ou Wendell Lira x Lionel Messi. Em 2015, a internet brasileira uniu-se para fazer um brasileiro de 26 anos ser o grande nome na cerimônia da Bola de Ouro. Há exatos 10 anos, Wendell Lira finalizou de voleio com a camisa do Goianésia e marcou o gol mais bonito de 2015. Em entrevista ao ge, ele lembra da trajetória de desconhecido em Goiás até ser a grande estrela em Zurique diante de Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar.
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Wendell Lira Premio Puskas
AFP
- Quando Golias apareceu, todo mundo olhava para ele e falava: "Ele é muito forte, muito grande, não tem como ganhar dele. E Davi, quando olhou para Golias, disse: 'Ele é muito grande, não tem como errar'". É assim que temos que lidar com os problemas diários de nossas vidas e assim que agradeço a todos - disse Wendell Lira na vitória do Puskás de 2015.
O discurso ficou na memória de qualquer jovem que entrou no site da Fifa para fazer Wendell Lira vencer Alessandro Florenzi, na época jogador da Roma, e Lionel Messi, que venceria a Bola de Ouro minutos depois do brasileiro.
- Esse exemplo (Davi x Golias) é muito bonito de entender e aceitar as coisas como elas são. Quando você olha para mim com toda a humildade do mundo... Menino de Goiás, morando de favor com o meu sogro, com filha pequena, jogando num time da quarta divisão do Campeonato Brasileiro, desempregado durante 10 meses, concorrer com o Messi e acreditar que vai ganhar, você é louco. Você tentar resolver problemas e acreditar que é bom independente do tamanho - disse Wendell em entrevista ao ge.
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Wendell Lira vence o prêmio Puskas do gol mais bonito do ano
Assim como cada palavra do discurso, o gol também é fácil de lembrar. Wendell, o camisa 11, recebeu de fora da área e correu para receber do camisa 10, Da Matta. Na área, girou e bateu de voleio para fazer o gol do Goianésia na vitória por 2 a 1 sobre o Atlético-GO. O feito aconteceu um dia após o aniversário de 40 anos do Serra Dourada, estádio que Wendell Lira sempre sonhou em jogar:
- Fazer o gol no Serra Dourada foi especial. Muitas pessoas acreditam que pelo Puskás. Quando era pequeno, meu tio me levou para ver Vila (Nova) x Goiás. Eu olhava e via: "um dia eu quero estar lá dentro". Eu me olhava lá dentro e imaginava fazendo um gol, podendo marcar meu nome na história. Sempre imaginei. Passei pelo Goiás, joguei muitos anos desde a categoria de base até o profissional. Infelizmente não consegui fazer um gol tão bonito quanto o Puskás, mas tive a possibilidade de estar no Goianésia, um clube que me abraçou. Poder fazer aquele gol foi muito marcante, mas na hora parecia ser mais um gol. Depois tudo começa a virar aquele bombardeio de sentimentos, de coisas novas e culminou com o Prêmio Puskás.
Fenômeno nas redes
A indicação ainda demorou para chegar. Na época, Wendell negociava para defender o Vila Nova, também de Goiás. Quando chegou no clube, ele já era estrela na internet. Sites como o Não Salvo e canais como o Desimpedidos levantaram a campanha do brasileiro nas redes, e uma equipe da Globo acompanhou o jogador por 40 dias.
Mobilização na internet foi essencial para vitória de Wendell Lira no Puskás
- É estranho. Até hoje não tenho noção de como as coisas aconteceram. Foi muito rápido. Lembro de estar almoçando com a minha mãe e, de repente, receber ligação. E aí o Ari (Júnior, cinegrafista da Globo) já estava lá em casa, o pessoal da Globo, e passaram 30, 40 dias comigo. Uma loucura. Pessoas que não me conheciam, não tinham noção de quem eu era, mas se sensibilizaram com a minha história, gostaram da minha pessoa, votaram incansavelmente, compartilharam o link. Foi uma avalanche de mobilização brasileira para nós ganharmos. Por mais que eu acreditasse, quando você chega lá e vê o Messi, você fala que não vai dar. Aí você o peso que foi... A tiazinha, a vozinha que não tinha noção do que estava acontecendo via a história no Globo Esporte e pedia para o neto votar.
Wendell Lira ao lado de Kaká, da esposa Ludmyla e de jogadores Marcelo, Sérgio Ramos e Modric, do Real Madrid
Reprodução / Instagram
As histórias ficam guardadas na memória de Wendell. Na época, ele vivia uma situação financeira "muito complicada", e ganhou um terno de Neto, ídolo do Corinthians, para usar no Puskás. Conquistar o prêmio, porém, não afetou os bolsos dele.
- A galera acha que sim. O Prêmio Puskás não dá nem um centavo para o ganhador. Depois de dois meses eu me aposentei, abri a minha própria empresa e comecei a trabalhar a minha imagem. Comecei a fazer palestras, ações com marcas, criei meu canal do YouTube. Pela minha condição financeira e física, achei melhor sair do futebol e investir numa área que eu gostava muito que era do Fifa, do videogame. Durante os quatro, cinco primeiros anos ainda passei bastante luta. Foi bem difícil na questão financeira. Hoje foi a melhor a escolha que fiz na minha vida, sem sombra de dúvidas.
Vencedor do Puskás, Wendell Lira se aposentou do futebol para viver da internet
"Um maluco no pedaço"
- A galera não consegue compreender o que vivi. Eu estava exatamente igual a "Um Maluco no Pedaço" (série de TV protagonizada por Will Smith). Davids passou ali, Karembeu passou, Kaká passou... Preciso tirar foto. Resumidamente, eu fui para tirar foto. Eu tenho foto das comidas que comi, que pedi no quarto, de sobremesa, do banheiro. Tinha uma televisão no banheiro que era dentro do vidro. Eu mandava para os amigos. Eu vivi mesmo. Vivi cada segundo muito intensamente. Sabia que era único e que nunca mais poderia viver aquilo de novo. O mais f* é ter ganho e poder falar para os meus filhos que o pai deles ganhou um prêmio do Messi. Em 20, 30 anos, eu vou falar para os meus netos, bisnetos que o bisavô deles ganhou de melhores jogadores da história do futebol. Até hoje não caiu a ficha.
"Um maluco no pedaço": Wendell Lira lembra premiação do Puskás em 2015
Depois das fotos, de uma alimentação poderosa e de viver a novidade, Wendell recebeu 46,7% dos votos no Puskás, superando Messi, que obteve 33,3% e Florenzi, que ficou com 7,1%. Ao todo, foram mais de 747 mil votos para o brasileiro.
A memória dele acaba no momento que seu nome é chamado no palco principal do Kongresshaus, em Zurique. Wendell afirma não ter lembranças da caminhada até o fim do discurso.
- Antes de ir para o intervalo, o cara que estava comigo, o Thiago, perguntou se eu tinha um discurso para ganhar. Eu não tenho o que falar. Vou falar o quê? Só vou chorar. Eu não tenho recordação do que falei. Não lembro muito do que falei. Acredito que foi o Espírito Santo que tomou conta. Imagina num palco, olhar para frente e estar Cristiano, Messi, Neymar, Thiago Silva, Kaká... Jogadores que você passou a vida inteira tendo como exemplo, pessoas que você admira, que você ama, que você jogou desde pequeno no videogame. E você subir ali para falar do amor de Deus, do quanto foi maravilhoso para fazer o milagre de ganhar do Messi. Eu nem gaguejei. Não lembro muito do que aconteceu. Foi muito único.
Wendell Lira lembra história com Marcelo e CR7 no Puskás de 2015: "Fui para tirar foto"
Antes da cerimônia, Wendell conheceu o Santiago Bernabéu, casa do Real Madrid, e recebeu um convite especial e inesperado quando estava na porta do camarote do clube. Marcelo, na época lateral-esquerdo da equipe espanhola, o chamou para entrar.
- Foi um cara de uma humildade gigantesca. Eu estava na frente do camarote do Real Madrid e ele me chamou. Veio com toda a humildade. Ele gritou no meio do salão: "Cristiano, o Wendell quer tirar foto com você". Deu atenção para mim, para a minha mulher. Trocamos uma ideia, me colocou para dentro do camarote do Real, tirei foto com todo mundo do Real Madrid. O Neymar me surpreendeu muito também, mas eu já sabia que era um fenômeno. O Marcelo foi muito diferente comigo, muito ímpar. Ele não tinha necessidade. Era o Marcelo do Real Madrid. Às vezes, para o Neymar, para o Cristiano, é só mais um momento. Para mim não. Era o momento da minha vida. Quando alguém faz algo de muito diferente como o Marcelo fez, marca para a vida. Sou grato eternamente ao Marcelo por isso.
Wendell Lira e Cristiano Ronaldo
Reprodução / Instagram
- Ele (Cristiano Ronaldo) eu não esperava mesmo. Chegou, perguntou como eu estava e desejou boa sorte para o Puskás. Ele sabe quem eu sou. Perguntou se eu queria tirar foto, se minha esposa queria tirar foto também. Minha esposa tirou foto com ele. Foi muito atencioso, de uma atenção gigantesca. Depois do prêmio acabei encontrando também. Foi muito gentil. Foi tudo mágico.
Agradecimento ao Brasil
Hoje, Wendell é morador de Vinhedo, cidade do estado de São Paulo localizada na Região Metropolitana de Campinas. Ele abandonou os gramados pouco depois da vitória no Puskás e focou no mundo digital.
- Eu estou vivendo o melhor momento da minha vida como pai, como profissional, como empresário. Estou morando em São Paulo, algo que era muito distante da minha vida em Goiás. Estou morando em Vinhedo. Comecei a fazer minhas palestras, a trabalhar minha imagem. Larguei o lado competitivo do Fifa para criar séries, criar conteúdo. Financeiramente eu não consigo nem descrever mais. São 15, 16 vezes mais que eu ganhava como jogador. Levo meus filhos na escola, busco na escola, quando precisa ir no médico eu estou do lado, eu trabalho dentro de casa. Minha qualidade de vida melhorou muito. Todos que votaram em mim transformaram a minha vida.
Wendell Lira passeia durante a Copa da Rússia
Arquivo Pessoal
No videogame, Wendell chegou a se classificar para Mundialitos, mas nunca conseguiu chegar no local da disputa. Com dois filhos e 36 anos, ele agradece a todos que votaram na vitória do Puskás de 2015.
- O que posso fazer é agradecer demais a todos vocês. Muitos não me conseguem, mas a maioria votou e fez campanha para que eu pudesse ganhar. Só tenho a agradecer. Se hoje minha família tem uma vida um pouco melhor, foi porque todos vocês votaram e fizeram com que nós ganhássemos aquele prêmio. Até hoje não caiu a ficha.