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Na saúde e na doença: fundador da Bengala Azul dedica vida ao São Caetano


Presidente da organizada, Seu Agostinho esbanja lucidez ao relembrar histórias curiosas da torcida e do clube, que se encontra no ostracismo O termômetro marca 11 graus. Um senhor de 88 anos, trajado de azul da cabeça aos pés, varre a calçada nos arredores do Anacleto Campanella, estádio do São Caetano. Ao ser chamado, ele comprova com um sorriso: é Seu Agostinho, o torcedor mais ilustre de um clube que experimentou dias de glória há duas décadas – e hoje vive à beira do esquecimento.

Em 2002, quando o São Caetano viveu o auge ao chegar à final da Libertadores, Agostinho estava lá. Vinte anos depois, enquanto o clube vive o ostracismo, fora da elite paulista e sem divisão nacional, ele segue lá. Na saúde ou na doença.

Seu Agostinho e suas duas paixões: São Caetano e Bengala Azul

Marcos Ribolli

A aposta atual do Azulão é na SAF, em vigor desde 2021, porém o caos insiste em permanecer. O presidente do clube foi preso sob suspeita de lavagem de dinheiro. Ainda assim, Seu Agostinho não arreda o pé.

Ele é fundador e presidente da Bengala Azul, torcida organizada exclusiva para pessoas acima dos 60 anos.

– A Bengala é como se fosse uma filha minha. Sinceramente. Porque, em atividade, com a idade que eu tenho hoje, se não fosse isso, não sei se eu estaria aqui, não. Já estaria com "Pedrão" lá em cima – afirmou Agostinho, em entrevista ao ge.

Seu Agostinho, fundador da Bengala Azul, nas arquibancadas do Anacleto Campanella

Marcos Ribolli

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A disposição do senhor é tão contagiante quanto o orgulho que ele tem ao falar da Bengala. Diariamente nas redondezas do estádio, as incessantes atividades em prol do clube e da organizada ajudam-lhe a se manter na ativa.

– O que eu faço aqui, faço para o clube. Estou sempre trabalhando. Toda vez coloco faixa e bandeira nos postes. Vou lá, ponho e não quero nem saber. O pessoal passa e fala "tá subindo no alambrado? vai cair daí, véio". Mas o "véio" não cai, pô. "Véio" tomba e levanta. E se eu estou com essa saúde hoje, com essa idade, é porque estou na ativa. Ativa é o quê? Estar fazendo alguma coisa. E o clube, desde que o conheci, não me deixou parar sequer um minuto. Não paro nunca – falou.

O jeito descontraído e enérgico também é representado pelo modo peculiar de fala rápida e de muitos gestos com a mão. Margareth Fulco, de 56 anos, diz que o pai sempre foi assim.

– Meu pai tem um pique e vontade de viver que dá um show em muitos jovens por aí. O São Caetano é a paixão dele. Esteja o time no auge ou não, para ele não importa. Tudo gira em torno do clube. Não sabe ficar quieto em se tratando do Azulão e da Bengala – comentou Margareth.

Seu Agostinho relata vivências na Bengala Azul

Marcos Ribolli

Pé na cova? INSS? Não, Bengala Azul!

Criada no mesmo ano de fundação do São Caetano, em 1989, a Bengala marcou presença nos jogos desde o início. Mas só foi oficializada em 1999, quando fez o próprio CNPJ e passou a ser filiada da Federação Paulista.

A ideia inusitada veio de Luiz Tortorello, então prefeito da cidade, que sugeriu a criação de uma torcida "só dos velhinhos". Nomes como "Pé na Cova" e "INSS" foram cogitados em tom de brincadeira, até que um dos integrantes apareceu com uma bengala de cor azul. Estava definido.

Ao lado da homenagem ao prefeito Tortorello, Seu Agostinho relembra história da Bengala Azul

Marcos Ribolli

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A Bengala Azul tem regras. Durante os jogos, torcedores são acompanhados por uma enfermeira, não ficam junto às demais organizadas do clube, além de comparecerem às partidas com bengalas de isopor.

E tem um detalhe, revelado por Seu Agostinho: não podem gritar gol, apenas aplaudir.

– Para a dentadura não sair voando – brincou.

– Era uma brincadeira que a gente fazia e os caras davam risada. “Já perderam dentadura mesmo?”, perguntavam. E eu respondia: “Se perderam eu não sei, mas a gente já viu pular da boca". Isso foi um charme que a Bengala criou – completou.

Algumas das peculiaridades são entoadas no hino, curiosamente feito por um flamenguista. Em jogo no Maracanã entre Flamengo e São Caetano, um rubro-negro simpatizou com o estilo da Bengala e pediu permissão para escrever o verso:

Bengala Azul, Bengala Azul, é o xodó do Azulão;

Bengala Azul, Bengala Azul, é o talismã do São Caetano campeão;

Para se inscrever, tem que ter mais de 60 (anos);

Vir acompanhado de pai e mãe;

Tem que ter tosse, bronquite e dor nas costas;

Ser teimosão!

A enfermeira fica por perto, pois se borrar, mete o fraldão;

Não gritar gol, só aplaudir, para a dentadura não cair – cantou Agostinho, aos risos.

Seu Agostinho na segunda casa dele, o Anacleto Campanella

Marcos Ribolli

Bom de papo, Agostinho passa horas contando histórias, principalmente dos anos 2000, auge do São Caetano. A primeira viagem para fora do país foi mencionada, quando o time venceu o Olímpia, no Paraguai, na partida de ida da final da Libertadores de 2002.

Segundo ele, toda proteção foi pouca contra o ataque de garrafas paraguaias ao fim do jogo, por parte da torcida adversária. Na volta, no Pacaembu, derrota nos pênaltis e o vice-campeonato do torneio.

Já contra o Vasco, no Brasileirão de 2000, a caravana da Bengala foi parada pela polícia, a caminho de São Januário. O apavoro foi grande o suficiente para o medo se manifestar de forma indesejável.

– O policial era meio doido. Começou a gritar: “Olha, tem 40 mil vascaínos querendo pegar vocês. Obedeçam às ordens, façam o que eu mandar. Agora, vamos descer para revista”, e um ficou sentado lá no fundo. Depois a gente descobriu o porquê. Se apavorou tanto que se borrou de medo. Tivemos que pegar a calça do rapaz, de moletom, para dar para ele – contou, rindo.

Em meio a tantas histórias, foi preciso criar um acervo para memorizá-las. Quase que um museu dentro do estádio. Ou melhor, um recanto.

Recanto da Bengala Azul

Recanto dos Bengala Azul é repleto de objetos temáticos da torcida

Marcos Ribolli

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– Para quem é alto, cuidado com a cabeça na hora de entrar. Não sei se tem chifre, mas é bom tomar cuidado – brincou Agostinho, ao abrir uma pequena porta embaixo da arquibancada do estádio: o Recanto da Bengala.

Com apoio da diretoria, é um memorial do clube feito por ele e demais membros da torcida. Diversas camisas, troféus e incontáveis manchetes do São Caetano preenchem o ambiente predominantemente azul. A cada passo, uma história.

Os jornais impressos cumprem a função de papel de parede. Ele lê, repara na data e conta detalhes minuciosos da partida em questão.

– Nossa história não é no computador, nossa história é no jornal.

Seu Agostinho relembra manchetes dos anos 2000 sobre o São Caetano

Marcos Ribolli

Depois de processos na prefeitura da cidade, a Bengala também conseguiu outra área social no Anacleto. Hoje, ainda que o número de adesão seja menor, é onde reuniões e encontros costumam acontecer.

– De manhã cedo, faço o que minha mulher precisa. Vou para o mercado, comprar o que ela quer, depois só volto na hora da papinha, do almoço. À tarde, dou uma chegadinha aqui, às vezes os caras estão jogando dominó, conversando, mas com esse frio eles estão fugindo – completou.

Seu Agostinho na área social dos Bengala Azul, no Anacleto Campanella

Marcos Ribolli

É o refúgio para se esquecer por alguns minutos da realidade do clube.

– O sentimento é muito ruim. Não só meu. Qualquer torcedor que você perguntar aí na rua: “Como está o São Caetano?”, o cara vai falar “ah, nem fala disso aí”. Sendo que há tempos faziam questão de desfilar por aí com a camisa pela cidade – disse o fundador da organizada.

Seu Agostinho guarda a carteirinha dos antigos integrantes da Bengala Azul, muitos nascidos de 1917 em diante

Marcos Ribolli

Sempre na ativa, sempre com o Azulão

Dizem que futebol é apenas um jogo. Talvez seja para os que não conhecem relações como a de Seu Agostinho e o São Caetano. Uma vida dedicada ao amor, simbolizado por aquela que sempre os manteve unidos: a Bengala Azul.

Uma vez que vestiu a camisa, deixou até o "affair" com outros clubes no passado.

– Se eu já torci para outro time? Não, isso daí você não vai me convencer a dizer, não. Pode descartar essa carta que você não vai pegar – finalizou Seu Agostinho, em tom risonho.

Seu Agostinho relembra grandes momentos do Azulão

Marcos Ribolli

Para Margareth Fulco, a lição é que, independentemente da situação do time, ter esse divertimento como lazer é o mais importante:

– O futebol traz alegria e diversão. Afinal, é uma paixão, e não se tem idade para isso.

Agostinho sabe bem. Despediu-se da entrevista e logo voltou com atividades destinadas à Bengala Azul. E assim foi, em constante movimento, sempre na ativa.

– Essa pandemia tirou muita gente da jogada. Perdi muitos colegas. Mas a vida se resume nisso: atividade. Não pare. Se você parar, o “Pedrão” te chama – finalizou o apaixonado pelo Azulão.

*Colaborou sob a supervisão de Alexandre Alliatti e Leandro Canônico.

Ge

Globoesporte.com

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