No que pode ser a jornada mais importante de sua história, o Fluminense vai pisar o Maracanã neste sábado como favorito. Claro que o futebol não oferece garantias, muito menos numa disputa de título em que um só jogo irá separar vencedores e vencidos. Ao examinar as virtudes e defeitos dos dois lados, é possível encontrar caminhos para o Boca Juniors bater os tricolores no Maracanã. Mas os argumentos favoráveis ao Fluminense parecem mais fortes.
O maior deles tem a ver com uma das marcas do tricolor neste 2023. Por mais que a sua forma peculiar de jogar tenha feito o time de Fernando Diniz ser estudado mundo afora, tornou-se mais difícil prever como o tricolor irá tentar resolver um jogo. Por muito tempo, uma das tantas críticas que Diniz escutou foi o decreto de que suas equipes tinham apenas uma arma. Se há algo que marca a atual temporada do Fluminense e o trabalho do treinador é justamente a ampliação do repertório. O jogo de aproximações e passes curtos, acumulando jogadores num setor do campo, ainda é o traço de identidade mais reconhecível do time. Mas deixou de ser seu único rosto. Numa decisão como a deste sábado, ser um time mais difícil de decifrar é um trunfo que não se deve menosprezar.
Fernando Diniz e Nino em coletiva antes da final da Copa Conmebol Libertadores
Reuters
É claro que pode fazer a diferença a favor do Boca uma defesa que só sofreu cinco gols na Libertadores, e apenas três nos seis jogos de mata-mata do torneio. Ou mesmo um goleiro que intimida rivais nas cobranças de pênaltis.
Este é um Boca que deverá buscar acelerar seus ataques, e que tem em Barco um jovem talento, com drible e condução de bola, capaz de incomodar o Fluminense. Assim como Merentiel, responsável por atacar a área com eficiência para aproveitar as tantas jogadas de cruzamentos do time. Se o roteiro imaginado é o Fluminense controlando a posse de bola, a transição defensiva tricolor será sempre um ponto de alerta, além da boa defesa da área. Cavani é outra presença que impõe respeito: não tem sido um homem de tantos gols, mas uma liderança com experiência e uma incrível dedicação, até na hora de defender.
Ainda assim, há uma diferença entre os times que vai além dos recursos técnicos, do peso do Maracanã a favor do Fluminense ou mesmo da campanha superior dos tricolores no mata-mata – o Boca não venceu um só jogo após a fase de grupos. O fato é que dificilmente o Maracanã verá algo diferente de um 4-4-2 no time argentino, uma aplicação defensiva extrema e uma busca por ataques rápidos, em especial pelos lados do campo. Hoje, é mais provável acertar como jogará o Boca do que como vai se apresentar o Fluminense.
Jorge Almirón dirige o Boca Juniors desde abril deste ano. Fernando Diniz voltou ao Fluminense um ano antes. E esta diferença de tempo permitiu ao treinador construir um trunfo importante: o repertório, a imprevisibilidade. É claro que o tricolor ainda é um time que rende melhor quando lança mão do traço mais característico do DNA de seu treinador: um time agrupado em torno da bola, sobrecarregando um setor do campo, trocando passes curtos, tabelando, infiltrando. E, aliás, este é um tipo de jogo peculiar. Ou seja, algo com que os argentinos não estão habituados a lidar. Ao seu estilo, o tricolor pode propor ao Boca Juniors questões que o time não está acostumado a responder.
Mas mesmo este jogo pode se construir de maneiras diversas. Não apenas por alternar o lado do campo em que o Fluminense tentará acumular jogadores e fazer suas jogadas. A saída de bola do time tem, hoje, vasto repertório. É possível ver André um pouco à frente dos zagueiros, para usar sua capacidade de conduzir a bola e sair de uma pressão. Mas é possível, ainda, vê-lo entre os defensores ou ao lado deles. Por vezes, Samuel Xavier avança como um ponta, usando sua força para ser uma opção às costas da marcação rival. Em outros momentos, ele e Marcelo são vistos à frente dos zagueiros à espera do primeiro passe, para que distribuam as jogadas. Marcelo pode iniciar as manobras ofensivas pela esquerda, mas logo se transformar num meia direita.
Mas este 2023 nem sempre viu este Fluminense que dispensa convenções do jogo atual, como ter homens abertos dos dois lados ou qualquer tipo de simetria em campo. Houve partidas em que o jogo de aproximações deu lugar a uma tentativa de abrir defesas com dois pontas mais fixos e zonas do campo predeterminadas para cada jogador do setor ofensivo ocupar. Ou seja, um time com mais elementos posicionais, justamente o oposto do time "aposicional" que Diniz certa vez definiu. E o curioso é que o Fluminense já alternou entre os dois modelos numa só partida.
O tricolor que tentará bater o Boca Juniors é, hoje, capaz de variar não só de modelo, mas também de escalação. Porque a ascensão de John Kennedy criou, ao mesmo tempo, uma opção e um dilema. Tecnicamente, é um jogador que quase se impõe no time. Porque é um atacante diferente dos demais que o Fluminense tem: agressivo, bom no jogo de costas, mas também capaz de empurrar uma defesa para trás pela permanente ameaça de suas corridas em profundidade. Ocorre que, com ele, Diniz terá que sacrificar um meia. E não é fácil pensar numa final de Libertadores sem Ganso. Ocorre que a formação com Kennedy, Cano, Arias, Keno, Ganso e Marcelo juntos, além de Felipe Melo na zaga, viu o Fluminense flertar de forma preocupante com o desequilíbrio defensivo em muitos momentos.
Jogos como este dormem e acordam com treinadores ao longo de semanas. Na cabeça de Almirón e de Diniz, já foram disputados algumas vezes, enquanto ambos pensavam em estratégias para seus times e tentavam desvendar o que se passava na mente do rival. Para o treinador argentino, parece bem mais difícil desvendar que Fluminense irá pisar o Maracanã.