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Esporte

À espera da Copa, portuguesa Tatiana Pinto vibra com classificação histórica: "Somos privilegiadas"


Em entrevista exclusiva ao ge, meia-atacante do Levante lembra que até 2011 sequer sabia da existência de um Mundial Feminino: "Eu achei incrível, e pensei: 'Quero estar ali um dia'" Foi somente em 2011, já aos 17 anos, que Tatiana Pinto descobriu a existência de uma Copa do Mundo Feminina. Àquela altura, ela dava os primeiros passos no futebol, no Clube de Albergaria, perto da sua cidade natal, Oliveira do Bairro, 200 km ao norte de Lisboa. Nasceu, então, um sonho ainda distante: "Quero estar ali". Doze anos depois, a meia-atacante do Levante, da primeira divisão espanhola, está a quatro meses de realizá-lo: Portugal estreia no dia 23 de julho em seu primeiro Mundial Feminino, contra a Holanda, pelo grupo E, que também conta com Estados Unidos e Vietnã.

Tatiana Pinto fala sobre a falta de referências do futebol feminino na infância

- Eu era nova, estava na casa da minha avó, e o Mundial passou em canal aberto, então eu podia ver, não tínhamos condições de pagar os canais (fechados). Eu achei incrível, e pensei: "Não sabia que isto acontecia, não sabia que era possível, mas quero estar ali um dia, estar entre as melhores" - afirmou Tatiana em entrevista exclusiva ao ge, por videoconferência, diretamente do CT do Levante.

Veja a tabela completa da Copa do Mundo Feminina

Tatiana Pinto, meia-atacante da seleção de Portugal

Divulgação

Para "estar entre as melhores", Tatiana não perdeu tempo. Aos 19 anos, fez as malas e deixou o país para jogar no Sand, então na segunda divisão alemã, participando da campanha de promoção à Frauen Bundesliga, em 2013/14. Acomodação não faz parte da sua carreira: logo voltou a Portugal, para jogar no Valadares Gaia, depois foi para o inglês Bristol City, seguido então de uma passagem longa pelo Sporting, entre 2016 e 2021, com cinco títulos conquistados: dois Campeonatos Portugueses (2017 e 2018), duas Taças de Portugal (nos mesmos anos) e uma Supertaça de Portugal (2017).

Há dois anos ela atua no Levante, sensação espanhola, atualmente em terceiro lugar na liga nacional. O time da cidade de Valência está perto de garantir novamente vaga na fase prévia da próxima Champions League feminina, repetindo a temporada 2020/21.

Tatiana Pinto comemora um gol pelo Levante, da Espanha

Divulgação/Levante UD

A experiência internacional, para Tatiana, pode ser enriquecedora profissionalmente, mas somente quando a jogadora se sente feliz e consegue perceber seu crescimento.

- O mais importante é que ela esteja bem, segura e feliz. Eu falo do meu caso, eu senti que no clube onde eu estava e na liga em que eu estava eu já não conseguia crescer mais. Eu cheguei a certo ponto que sentia: "Tatiana, tu não estás a crescer, tu estás estagnada". E quando se pensa assim, para mim tem que se fazer alguma coisa para mudar, e a minha opção foi sair do país e procurar uma liga competitiva. Eu queria muito vir para a liga espanhola, porque percebia realmente que a competitividade aqui era muito grande - comentou.

Quase 100 jogos pela seleção portuguesa

Tatiana, que completa 29 anos nesta terça-feira, estreou em 2014 na seleção portuguesa. Se atuar nos três confrontos da primeira fase da Copa, chegará às 100 partidas pela equipe nacional. O jogo mais marcante não deve ser difícil de imaginar: em fevereiro, Portugal venceu Camarões por 2 a 1, com um gol nos acréscimos da zagueira Carole Costa, de pênalti, e garantiu a classificação inédita para a Copa do Mundo Feminina. Uma vaga que veio com muita emoção: a seleção portuguesa vencia e dominava a partida até os 44 do segundo tempo, quando sofreu o empate em um dos poucos ataques camaroneses. Um susto que durou pouco, graças a um pênalti conquistado pouco depois, que valeu a vitória histórica.

- Eu chorei muito (no apito final), mas foram lágrimas de muita alegria, orgulho, felicidade, trabalho, muito trabalho. Nós tivemos o privilégio de estar ali. Tanta gente, tantas gerações, tantas mulheres e meninas que passaram nessa seleção e trabalharam tanto para que nós um dia conseguíssemos ter esta oportunidade e ser as honradas de estar ali e desfrutar daquele momento, então foi um looping de emoções - lembrou Tatiana.

Tatiana Pinto relembra classificação histórica de Portugal para a Copa: "Chorei muito"

Pensar nas que lá estiveram e que não tiveram a oportunidade de viver algo assim, e sentir que, uau, somos nós as privilegiadas de estarmos aqui. Então é desfrutar, aproveitar, somos muito agradecidas por aquilo que vivemos naquele dia, foi incrível, não há palavras.

Confira a entrevista completa com Tatiana Pinto:

Quais são suas primeiras lembranças e referências de futebol feminino quando pequena?

Para mim, foi realmente complicado porque quando eu era mais nova eu não tinha referentes femininos, não havia informação, não havia tanta visibilidade no futebol feminino, não havia tantas equipes, era complicado ter acesso a qualquer informação do futebol feminino. Então minhas referencias sempre foram masculinas porque era a única coisa que eu via, na TV, na radio, de ouvir falar, e realmente eu cresci a olhar para os jogadores portugueses como referentes, como Cristiano Ronaldo, Luis Figo, o Messi, que não é português, mas... O Deco e muitos outros jogadores. Eu creio que a partir talvez dos meus 15, 16 anos, eu comecei a ter noção de que havia seleções nacionais, que havia jogadoras com muita qualidade em Portugal, já começava a olhar apra as seleções estrangeiras, inclusive o Brasil com a Marta, que foi durante muitos anos um ícone, e ainda é, no futebol feminino mundial, e eu via-me nela. Com 15, 16 anos, é que eu comecei a ter acesso ao futebol feminino e ter noção de quem eram as jogadoras mais conhecidas a nível mundial.

E quando você descobriu que existe uma Copa do Mundo Feminina?

Eu não sei qual foi o Mundial, mas eu era nova, estava na casa da minha avó, e o Mundial passou em canal aberto, então eu podia ver, não tínhamos condições de pagar os canais (fechados). Eu achei incrível, e pensei: "Não sabia que isto acontecia, não sabia que era possível, mas quero estar ali um dia, estar entre as melhores". Foi ali por volta dos meus 17, 18 anos, quando eu assisti a meu primeiro Mundial.

Tatiana Pinto espera o apoio da torcida brasileira para Portugal na Copa Feminina

No Levante, você tem como colega uma jogadora da seleção brasileira, a defensora Antônia. Fale um pouco da sua relação com ela. O idioma ajuda a aproximá-las?

Sim, o idioma nos aproxima bastante, às vezes é engraçado porque eu também calho de jogar muito pela direta, consigo jogar muito com ela e nos comunicamos muito em português, é uma forma também do adversário não perceber. Mas, sim, o idioma aproxima-nos, somos culturas muito parecidas, a Antônia é uma colega de equipe espetacular, é muito divertida, muito animada, é intensa, vive as coisas muito intensamente também. Eu me identifico com a energia dela e gosto muito de tê-la por perto.

Copa do Mundo já é um assunto comentado entre vocês?

Sinceramente, ainda não se fala muito sobre o Mundial. Aliás, a última vez que falamos foi por minha causa, por Portugal ter conseguido a classificação histórica, mas ainda não se fala muito sobre isso, porque realmente estamos concentradas no que ainda vem na temporada, faltam alguns jogos, são todos muito importantes e disso depende a nossa classificação final.

O Levante está fazendo uma boa campanha no Espanhol novamente, em terceiro lugar, perto de garantir novamente vaga na fase prévia da Champions. O que o clube tem de especial para competir entre as equipes mais famosas do país?

Eu percebo essa analogia, a verdade é que o Levante sempre foi um grande no futebol feminino e todos os anos consegue provar. Este ano as coisas estão a correr muito, muito bem. Mudamos a equipe técnica, mas a verdade é que criamos um grupo de jogadoras bastante diverso, conseguimos ter um ambiente muito saudável, e acho que isso é das coisas mais importantes nessa temporada. Estamos aqui para um objetivo comum, e nesse momento é colocar o Levante na Champions, se será em terceiro ou em segundo lugar, logo se verá, mas o nosso trabalho é diário, e o que vier nós agradecemos.

Tatiana Pinto em ação pelo Levante no Campeonato Espanhol Feminino

Divulgação/UD Levante

Pena que ainda são poucas vagas diretas para a Champions, não? Na Espanha, só a equipe campeã vai para a fase de grupos, e as outras duas vão para os playoffs. A Uefa não está demorando a valorizar o crescimento do futebol feminino?

Completamente de acordo, acaba por ser um pouco injusto, falo da liga espanhola, porque realmente os segundos e terceiros colocados têm qualidade, e se calhar acabam por ser prejudicados num sorteio contra uma equipe experiente na Champions e acaba logo por ser eliminada. Devia haver aqui um equilíbrio e as coisas deviam realmente mudar.

Falando da seleção portuguesa, o que mudou no futebol feminino do pais neste ciclo desde a última Copa do Mundo, em 2019?

Muita coisa, acho que nos últimos anos o crescimento tem sido gigantesco. Nós não estamos indo de passinho a passinho, estamos a crescer realmente com uma velocidade muito grande. Eu acredito que seja uma coisa muito boa, é prova de que a jogadora portuguesa tem muito valor, que a Federação Portuguesa tem investido no futebol feminino, as jogadores também estão cada vez mais bem preparadas. Acima de tudo, que as jogadoras jovens portuguesas olhem para nós, "eu quero ser a Jéssica, a Tatiana, a Diana", ter as suas referências no futebol feminino e acreditar que com muito trabalho podem lá chegar e que seus sonhos podem ser possíveis. Para nós, é a nossa maior vitória.

Um mês depois daquele jogo histórico da classificação, que lembrança você guarda da vitória sobre Camarões?

Esse jogo prova o quão imprevisível é um jogo de futebol. A verdade é que nós iniciamos o jogo muito bem, a dominar, a saber perfeitamente o que estávamos a fazer e o que Camarões estavam a tentar nos provocar. Mas houve ali uma parte do jogo em que perdemos o controle emocional, estávamos mais a jogar com o coração do que com a cabeça, então perdemos um bocadinho a racionalidade e nos deixamos ir pelas emoções. E quando nos deixamos ir pelas emoções, as coisas podem correr mal. E Camarões acabaram por marcar o gol por uma falha nossa, mas a equipe soube reagir muito bem. Eu acredito que nós também estávamos muito confiantes de que íamos conseguir esse objetivo e acho isso foi também uma das peças fundamentais, nós confiávamos arduamente de que íamos conseguir o apuramento. Ok, sofremos um gol, mas vamos que ainda há jogo e vamos conseguir. Acho que foi essa confiança, e esse reagir rápido ao gol sofrido que nos deu a vitória no final do jogo. Estávamos muito confiantes, eu sentia mesmo que íamos conseguir aquela vitória. E no final conseguimos.

O que sentiu após o apito final?

Eu chorei muito (no apito final), mas foram lágrimas de muita alegria, orgulho, felicidade, trabalho, muito trabalho. Nós tivemos o privilégio de estar ali. Tanta gente, tantas gerações, tantas mulheres e meninas que passaram nessa seleção e trabalharam tanto para que nós um dia conseguíssemos ter esta oportunidade e ser as honradas de estar ali e desfrutar daquele momento, então foi um looping de emoções. Pensar nas que lá estiveram e que não tiveram a oportunidade de viver algo assim, e sentir que, uau, somos nós as privilegiadas de estarmos aqui. Então é desfrutar, aproveitar, somos muito agradecidas por aquilo que vivemos naquele dia, foi incrível, não há palavras.

Tudo que Portugal quer agora é um pouco dessa imprevisibilidade do futebol para tentar surpreender Estados Unidos e Holanda no Mundial, não?

É assim, sabendo que o futebol é um jogo em que há coisas que nós não conseguimos controlar, e há coisa que sim conseguimos, acho que o importante é que nós nos foquemos naquelas pequenas coisas que nós conseguimos controlar. Efetivamente o nosso grupo é muito difícil, assim como todos, porque é um Mundial, num Mundial não há grupos fáceis. Sabemos que Estados Unidos e Países Baixos são favoritos, obviamente, mas também temos noção do crescimento que Portugal tem tido e da capacidade de competir em alto nível contra qualquer seleção do mundo, portanto nosso objetivo seguramente vai ser mostrar nossa personalidade e nosso DNA, porque acho que isso tem que ser mostrado em todos os jogos, e talvez surpreender. Acredito que nós conseguimos surpreender, porque nada na vida é um dado adquirido, acredito que todas as seleções nos respeitem. E certamente vamos conseguir coisas muito bonitas, eu estou confiante no nosso crescimento e nosso trabalho.

Uma classificação, então, não é um sonho impossível?

Não, nada é impossível, nada é impossível. Claro que será muito difícil, e sabemos que temos duas seleções, não desvalorizando o Vietnã, obviamente, mas sabemos que Estados Unidos, campeãs mundiais, e Países Baixos, campeãs da Europa, sabemos que são seleções muito poderosas, mas também sabemos que no futebol os favoritos, essas coisas são provadas dentro do campo. Há 50 contra 50 de probabilidade e o jogo é jogado dentro das quatro linhas, e nós iremos trabalhar imenso para conseguir resultados positivos para Portugal.

Você fez parte da sua carreira no exterior, e atualmente joga fora de Portugal. Qual é a importância dessa experiência internacional para a sua carreira e até para a seleção portuguesa?

Primeira coisa que eu penso é que a jogadora, querendo sair para o exterior ou não, querendo ficar em seu próprio país, o mais importante é que ela esteja bem e feliz com a decisão que ela toma. Se eu fosse jogar em um clube onde eu não me identificasse, que eu não jogasse tanto, eu iria me sentir deprimida, e uma jogadora triste, infeliz, não é uma jogadora que está preparada para representar a sua seleção. Portanto, o mais importante é que ela esteja bem, segura e feliz. Eu falo do meu caso, eu senti que no clube onde eu estava e na liga em que eu estava eu já não conseguia crescer mais. Eu cheguei a certo ponto que sentia: "Tatiana, tu não estás a crescer, tu estás estagnada". E quando se pensa assim, para mim tem que se fazer alguma coisa para mudar, e a minha opção foi sair do país e procurar uma liga competitiva. Eu queria muito vir para a liga espanhola, porque percebia realmente que a competitividade aqui era muito grande.

Na seleção de Portugal, há uma brasileira naturalizada, a Suzane Pires, que atua na Ferroviária. O que ela passa para vocês sobre o futebol feminino no Brasil?

Ela passa que o futebol feminino no Brasil está a crescer também cada vez mais, que há inclusive equipes a investir muito, muito forte. Claro que há outras também que têm que seguir esse caminho, que é um processo lento, mas a jogadora brasileira que está no estrangeiro já começa a regressar ao Brasil. Ela diz que há muita qualidade sim, há muita qualidade no Brasil, há muito talento, há muitas mulheres a jogar, e isso é super importante. A jogadora brasileira que está fora neste momento, se calhar já tem o objetivo de regressar ao seu país, e ter as condições que ela necessita para representar o seu clube e continuar a sua carreira no seu país.

Brasil e Portugal são países com ligação histórica. Que mensagem você deixa para a torcida brasileira e também para os portugueses que vivem no Brasil? O que os fãs da seleção portuguesa podem esperar da equipe na Copa do Mundo?

Eu espero que os nossos fãs brasileiros e portugueses que estão no Brasil nos apoiem independentemente de não sermos o Brasil, mas como temos essa ligação e essa conexão única, que nos apoiem. Somos uma seleção com muita personalidade, jogamos com muita paixão e muito amor, e acho que o Brasil também é muito assim, portanto temos aqui algumas semelhanças. Portanto, espero que o povo brasileiro todo nos apoie, e certamente os portugueses também vão apoiar o Brasil com o mesmo carinho. Se porventura calhar Portugal x Brasil, o apoio terá de ser redistribuído, 50 a 50. Mas não, estou a brincar, espero efetivamente que o povo brasileiro nos apoie, que espere um bom futebol praticado por nós, tenho certeza de que vão gostar muito daquilo que nós vamos fazer e vão ficar muito contentes.

Ge

Globoesporte.com

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