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A maior versão já vista de Messi: chorando enquanto sorria às margens do Rio da Prata

Por Virtual Rondônia em 24/03/2023 às 16:43:25
Desde 18 de dezembro, Lionel Messi anda sobre as nuvens e não tirou mais aquela expressão de catarse do rosto. Quando o tanguero Ariel Ardit entoava o hino nacional com a interpretação que mais provocou lágrimas na história da Argentina e jogadores e comissão técnica perfilados no campo do Monumental de Núñez se debulhavam num incontido pranto como se estivessem diante do mais emocionante desfecho de novela (e estavam), havia um rosto que destoava na pequena multidão: Lionel Messi, que também chorava, mas não conseguia evitar, por maior que fosse a ginástica da musculatura facial, um sorriso sincero e permanente. A maior versão já vista de Messi era aquela: chorando enquanto sorria às margens do Rio da Prata.

A vida de Lionel Messi teve duas grandes bifurcações: quando saiu de Rosário para cruzar o imenso aguaceiro do Atlântico e, décadas depois, quando conquistou a Copa do Mundo -- nessa última, o arqueiro Dibu Martínez operou como fiscal de trânsito. Se o goleiro argentino não tivesse executado aquela que provavelmente é a maior defesa da história das Copas, o camisa 10 argentino continuaria sendo um gênio, incontestável melhor jogador de sua geração, mas não estaria sorrindo até com os molares na noite de 23 de março de 2023, diante de todos os argentinos.

Toda grande história precisa de um facilitador, já sabem todos que alguma vez na vida já passaram por baixo da roleta do ônibus enquanto o cobrador fingia olhar pela janela. Mas a trajetória de Messi com a camisa argentina teve mais obstáculos do que colaboradores (o título também é teu, Gonzalo Higuain), pois de um dos maiores de todos os tempos sempre se exigiu (e é correto que se exija) que conseguisse levar uma Copa do Mundo ao seu país.

Que ele tivesse saído para viver na Espanha muito cedo e que sua pátria do outro lado do Atlântico fosse uma sempre histérica e nervosa Argentina, que por sua vez sucede de haver visto em campo o santo enviesado Diego Maradona e historicamente tenha se acostumado a idolatrar heróis populares, eram apenas condimentos demasiado amargos que lhe tornavam uma figura incompleta -- ainda que, dentro do campo, flertasse com a perfeição. Nem Gardel, que nasceu na França, precisou provar tanto que era argentino quanto Lionel Messi, parido na província de Santa Fé.

Jamais se pode negligenciar as aflições que atingem um grande personagem, por mais rico e famoso que seja, pois elas geralmente falam de angústias básicas. Para quase todas as pessoas do mundo, a Copa do Mundo é apenas aquela imagem reluzente que vemos pela televesião de quatro em quatro anos ou em alguma matéria dramaticamente contada em câmera lenta. Para Lionel Messi, talvez fosse como um pedaço ausente do próprio corpo -- ou um borrão no documento de identidade. Trazer a Copa do Mundo para a Argentina tinha a ver com pertencimento e retribuição -- ao país que passou a sofrer tanto pela angústia de Lionel Messi quanto com a próprio jejum de 36 anos.

Quando a Argentina venceu La tercera, com Messi tendo a sua maior atuação individual em Copa, junto de uma equipe mais forte em termos coletivos, não havia mais asterisco em sua trajetória nem corralito que pudesse coagir as emoções. O céu sobre Ezeiza desanuviou, o papa tomou un fernecito escondido no Vaticano, Gardel passou a cantar ainda melhor e o peso passou a valer duas Cataluñas. E tudo isso levou ao momento em que Lionel Messi, vestindo a camisa da seleção argentina, sorria enquanto chorava diante de um Monumental de Núñez onde vibravam 40 milhões de almas -- epicentro de toda a argentinidad.

Para o catártico jogo contra o Panamá, os jogadores tricampeões do mundo começaram a chegar aos poucos em Buenos Aires, em um clima meio mambembe, como deve acontecer em momentos de sincera e profunda celebração. Então, poucos dias atrás, Messi saiu para jantar na Don Julio, uma parrrilla (ou churrascaria) famosa de Buenos Aires. Ele não mandou fechar o lugar e aparentemente não exigiu grandes esquemas: recém tricampeão do mundo, um dos maiores da história, simplesmente saiu para comer na frenética metrópole. Talvez quisesse um pouco mais do que um bife de chorizo bien jugoso: queria ver gente. Queria que a gente o visse. Queria que ambos se vissem ao mesmo tempo.

Desde 18 de dezembro, Lionel Messi não tirou mais aquela expressão de catarse do rosto -- hoje está experimentando na própria pele e músculos e nervos aquela loucura que sempre testemunhou emergir de los tablones. Por isso, saiu a fazer turismo em Buenos Aires, pisando a mesma calçada que outros muitos pisam diariamente. Enquanto se dirigia apressado para a churrascaria, protegido por dois ou três seguranças protocolares, e também depois, dentro do restaurante, com clientes e toda a equipe com celulares em punho, pois até as grelhas já comentavam a sua presença, Messi apresentava uma felicidade absolutamente sincera, quase transparente -- seu rosto era o rosto da multidão. E, daqui por diante, seu rosto traz um pouco do semblante de cada argentino.

Pisando nas calçadas de Palermo, Lionel Messi sorria com os mesmos dentes e com a mesma expressão com que depois voltaria a sorrir no Monumental de Núñez. Com os mesmos dentes e com a mesma expressão com que sorriu três meses atrás na histórica jornada no deserto. E talvez também, muito tempo antes, com a mesma expressão, mas os dentes ainda de leite, com que deixou escapar um sorriso ao imaginar façanhas inconfessáveis enquanto sua perna canhota rascunhava algum campinho de Rosário.

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Fonte: Ge

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